Esse livro, de autoria de Howard Marks, é leitura obrigatória para os investidores ou aspirantes a investidor que queiram sair da superficialidade e do senso comum quando o assunto é o mercado financeiro.
“Estar consciente dos limites de nosso conhecimento sobre o futuro é um componente essencial de minha abordagem de investimentos” – Marks ressalta. E vindo dele, investidor com tamanho sucesso, devo admitir que tem seu valor. Ele mostra que é preciso ser humilde para ser um bom investidor, e que pensar que sabe tudo sobre o mercado ou sobre previsões, só atrapalha.
O prefácio é escrito por Henrique Bredda, um dos mais conhecidos e renomados gestores de fundos do Brasil. Ele é sócio da gestora Alaska Asset Management, que tem um dos fundos mais populares (e apimentados) do país. Bredda, que não nasceu em berço de ouro, já quis ser piloto de corrida e astronauta, mas decidiu cursar engenharia porque acreditava que o curso lhe abriria as portas do mercado financeiro. Passou por outras experiências em outras gestoras e, em 2015, acabou se juntando a alguns sócios na formação da Alaska Asset, sendo que um deles era nada mais, nada menos, que Luiz Alves Paes de Barros, um dos brasileiros mais experientes no mercado de ações já naquela época e que fez fortuna investindo na bolsa brasileira e americana.
Em seu prefácio, Bredda diz que “Muitos temas que aparecem no livro já foram exaustivamente estudados por outros investidores, mas foi na explicação sobre Ciclos de Mercado que encontrei a maior novidade.”
Howard Marks é um megainvestidor americano, sócio fundador e vice-presidente da Oaktree Capital Management, maior empresa de private equity do mundo (fundos que investem capital diretamente nas empresas).
É importante ressaltar que esse tipo de ativo é foco na gestora: ativos de alto risco e grande possibilidade de retorno, pois isso explica muito da importância da visão do Howard, apresentada no livro em discussão. Ele não subestima o poder de entender o impacto dos riscos nos investimentos e isso me intrigou bastante: um ícone no mercado de investimentos de alto risco mostrando um pensamento conservador e defensivo.
No decorrer desse artigo, você vai entender.
Além de ser um grande escritor, Marks é conhecido também por seus relatórios sobre o mercado, os “memorandos para os clientes Oaktree”. Dessa forma, suas opiniões sobre o mercado financeiro são acompanhadas mundialmente levando até mesmo o Oráculo de Omaha, Warren Buffet, a acompanhar todas as publicações feitas pelo sócio fundador da Oaktree.
Autoridade em investimentos, Marks se destaca por sua leitura e visão do mercado financeiro – seu domínio sobre o assunto fez com que o Governo dos Estados Unidos pedisse sua ajuda para superar a crise de 2008. Atualmente, a Oaktree faz a gestão de cerca de US$ 156 bilhões, teve o seu IPO realizado em 2012, levantando R$ 380 bilhões, e o retorno médio anual está na casa dos 23%.
Costumo dividir o livro basicamente em dois pontos principais, totalmente relacionados e divididos em 20 capítulos (ou 20 lições):
- Pensamento de segundo nível: é preciso ir além das fórmulas prontas que se encontram no mercado financeiro, algo que ele chama de ter um “pensamento mais perceptivo”. Ele cita: “Percepção, intuição, senso psicológico de valor e a consciência excelentes que são necessários para se obter resultados que estejam consistentemente acima da média. Para isso é necessário pensamento de segundo nível”.
- Gestão do risco: é preciso compreender que o controle de risco deve ser prioridade. Ele ressalta: “Notem que passo mais tempo discutindo risco e as formas de limitá-lo do que como obter retorno dos investimentos. A meu ver, o aspecto mais interessante, desafiador e essencial de um investimento é o risco.”
É o segundo ponto que acredito ser o mais importante: entendimento e gestão do risco. Não pelo fato de eu acreditar que o primeiro ponto não seja importante, pelo contrário. Acho muito válido que o investidor tente entender e, acima de tudo, exercite o “pensamento de segundo nível”.
Essa forma de pensar explora a relação entre preço e valor de um ativo, ou seja, sugere que o investidor compre na baixa, venda na alta (parece óbvio, não é mesmo?) e confie na ineficiência dos mercados. Esse é um raciocínio que tira o investidor da irracionalidade, mas como saber exatamente se um ativo está caro ou barato? Pergunta de milhões.
É preciso ter a percepção de que os preços de mercado estão frequentemente errados, pois são impactados e “poluídos” pela carência de informação, pelos ruídos espalhados pelo investidor emocional e pela mídia. Isso quer dizer que uma ação que vale R$50 em uma análise fundamentalista – usando métodos como valuation, análise da saúde financeira da empresa através do Balanço Patrimonial e DRE, análise dos concorrentes/setor, posicionamento de mercado, plano estratégico da empresa e outros indicadores – pode estar precificada na bolsa de valores a R$25, por exemplo, ou seja, o preço representa metade do valor nesse caso. E se os preços podem estar errados, significa que existem pechinchas ou, por outro lado, preços excessivamente caros.
Marks afirma que o investidor sofisticado (com pensamento de segundo nível) sabe identificar essas ineficiências e costuma criar uma “lista de candidatos” a investimentos que atendam a seus critérios mínimos (ou seja, ele precisa ter elaborado critérios em um primeiro momento). Dos ativos listados, ele escolhe as melhores pechinchas, que em geral “fundamentam-se na irracionalidade ou em alguma compreensão incompleta”, como ele menciona.
Um ativo pode estar sendo desprezado pelo mercado, mostrando preços injustificadamente baixos (ele os chama de “o Santo Graal dos investidores”) e ser capturado pela percepção apurada desse investidor sofisticado, que vai se aproveitar disso para ter uma performance superior à média do mercado.
Esse pensamento de segundo nível também ajuda o investidor a entender em que ciclo o mercado está[1]. Os ciclos econômicos são períodos nos quais determinadas oscilações acontecem: expansão da economia (atividade econômica em crescimento), pico (auge), contração (queda na atividade econômica) e recessão.
Esses ciclos têm períodos variáveis (normalmente de um a dez, doze anos) e a economia é um sistema complexo definido por nós, seres humanos – daí vem a complexidade: como vamos prever o próximo ciclo se sabemos que não somos capazes de prever o comportamento humano? É claro que existem alguns indicadores preditivos que nos ajudam a ter um norte, como, por exemplo, quando a taxa de juros de longo prazo está menor que a de curto prazo, isso é um forte indicador de recessão que inclusive já aconteceu algumas vezes (pandemia e recessão de 2009 são exemplos).
Porém, Marks ressalta que antes de tentar prever o próximo ciclo precisamos reconhecer em qual ciclo estamos: “Economias e mercados passam por ciclos de altas e baixas – pensar que as tendências serão mantidas da mesma forma para sempre induz à erros, perigo e estimula bolhas e pânico”. E complementa: “Devemos entender em qual ciclo de mercado estamos, já que é impossível prever o futuro, ou seja, para onde vamos. De que forma? – observando o nosso redor”.
Howard fala muito sobre o pêndulo: “Os mercados de investimento oscilam de forma similar a um pêndulo: entre a euforia e a depressão, entre a celebração dos acontecimentos positivos e a obsessão pelos negativos; e, assim, entre a sobrevalorização e a subvalorização”. E complementa: “Essa oscilação é uma das características mais confiáveis do mundo dos investimentos…”. Ou seja, a única certeza nos investimentos é que, ao final, os ciclos prevalecem e são impactados pelo fator psicológico.
Perceberam a complexidade envolvida nesse pensamento de segundo nível? Não é algo que o investidor comum facilmente terá. Por isso, comentei mais acima que o segundo ponto, gestão de risco, é o mais importante a meu ver. Note que não estou subestimando a capacidade de ninguém, porém esse tipo de pensamento acaba até reforçando a ideia de que investir não é para todos.
Tendo tamanha complexidade, a busca por esse pensamento sofisticado acaba dificultando o processo de investir pensando na criação e manutenção de um patrimônio. E é nesse ponto que queria chegar: quando Howard fala sobre a gestão do risco, ele diz: “Notem que passo mais tempo discutindo risco e as formas de limitá-lo do que como obter retorno dos investimentos. A meu ver, o aspecto mais interessante, desafiador e essencial de um investimento é o risco.”
Quantas vezes não ouvimos por aí que alguém perdeu muito dinheiro investindo em pirâmides ou operações que prometiam ganhos absurdos, ou que arriscou mais do que devia e acabou realizando uma perda grande por não ter estômago para aguentar períodos de baixa. A falta de parâmetro na hora de investir é algo corriqueiro.
O investidor muitas vezes não conhece a possível ordem de grandeza dos ganhos para cada tipo de ativo, como eles se comportam de maneira direcional dependendo das mudanças no mercado (a Taxa Selic, por exemplo) e dessa forma, não sabe discernir o que é muito e o que é pouco em termos de retorno. É nesse momento que 20%, 30% de promessa de ganho ao ano parece fazer bastante sentido para ele, sem olhar o risco.
Essa frase do Howard é genial: “se os investimentos mais arriscados produzissem maiores retornos de forma confiável, então não poderíamos dizer que eles são mais arriscados”. Ele dá exemplos de investidores reconhecidos como Warren Buffett e Peter Lynch[2] e comenta que eles possuem “trajetórias notáveis por se manterem consistentes sem grandes contratempos, não apenas por seus retornos elevados”.
Um dos principais conceitos do livro é sobre o retorno ajustado ao risco, quando Marks fala sobre risco sistêmico. Por exemplo, se o investidor decide ter uma carteira mais agressiva, isso pode aumentar a sensibilidade da carteira às movimentações de mercado. Essa atitude elevará o risco sistemático da sua carteira, ou seja, seu beta. No entanto, a teoria diz que, embora isso possa aumentar o retorno de uma carteira, o diferencial de retorno será totalmente explicado pelo aumento do risco sistemático assumido. Assim sendo, essas atitudes não melhorarão o retorno ajustado ao risco da carteira. Pouca gente mensura os retornos de seus investimentos dessa forma.
Marks ressalta a importância de se manter no jogo: “é mais importante garantir a sobrevivência durante o período de resultados negativos do que garantir o máximo de retornos em períodos desfavoráveis” e deixa claro no decorrer do livro todo que ele é muito mais favorável ao investidor mais defensivo evitando perdas ao longo do tempo.
No trecho“nosso objetivo é ter um desempenho igual ao mercado quando ele vai bem e melhor do que o mercado quando ele vai mal. À primeira vista isso pode soar como um objetivo modesto, mas é realmente muito ambicioso” – ele deixa claro o quão defensiva é a estratégia da sua gestora e o quanto isso é valioso.
Esse processo de gestão de risco parece estar muito mais acessível para o investidor comum do que o pensamento de segundo nível, quando consideramos que deve funcionar seguindo algumas regras básicas:
- Não investir no que não conhece;
- Saber o básico sobre alguns indicadores: tentar identificar se a promessa de ganho é muito alta e questionar quem está te oferecendo, perguntar qual o parâmetro de comparação desse ganho (CDI, IBOV, IPCA etc.);
- Se está ainda na fase de construção do patrimônio, ter paciência: primeiro Reserva de Emergência, depois Renda Fixa pós-fixada (atrelada ao CDI) então renda fixa prefixada e atrelada à inflação, Multimercados, Renda Variável e assim por diante. A gente não constrói uma casa começando pelo teto;
- Diversificar: esse é um grande fator de redução de risco nos investimentos;
- Não subestimar nunca o poder das influências psicológicas nas suas decisões – “nenhum de nós deve achar que é imune” – nas palavras de Howard.
“Sobrevivência em circunstâncias adversas” – é isso que nos mantém no jogo dos investimentos.
Estela Borgheri, CFP® é formada em administração de empresas e planejadora financeira pessoal certificada pela Planejar.
[1] Howard gosta tanto do tema que publicou um outro livro chamado “Dominando o ciclo de mercado: aprenda a reconhecer padrões para investir com segurança”.
[2] Peter Lynch é um dos maiores alocadores de carteira que, inclusive, tem um livro interessantíssimo chamado O jeito Peter Lynch de investir.
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