Os fluxos financeiros, assim como transações imobiliárias, estão inseridos em mercados cada vez mais regulados e controlados, fazendo com que os participantes do mercado imobiliário fiquem atentos às obrigações de reporte de operações potencialmente suspeitas.
Referimo-nos à Declaração de Não Ocorrência de Transações ou Operações Passíveis de Serem Comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”) (“Declaração de Não Ocorrência”) e às comunicações de operações ou propostas suspeitas, a saber, Operações de Comunicação Automática (COA) e Comunicação de Operações Suspeitas (COS).
Em todos os casos, a questão orbita sobre a temática de “lavagem de dinheiro”. A atual Lei que trata dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores é Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998, alterada pela Lei nº 12.683/2012). Esta norma aumentou significativamente o rol de crimes e de pessoas responsabilizadas por lavagem de dinheiro.
A tipificação do crime agora é: Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (art. 1º).
A norma visa combater os crimes de lavagem de dinheiro e fixa, dentre diversas obrigações, algumas específicas para as pessoas físicas e jurídicas que exercem atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis (artigo 9º, inciso X) (que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não).
É sabido que criminosos tem especial apreço pelo mercado imobiliário, alvo preferido para a lavagem de dinheiro decorrente crimes das mais variadas espécies. Segundo o COFECI, um determinado “Estado brasileiro, por exemplo, chegou a apurar que 90% do lucro do tráfico é “lavado” em operações envolvendo compra e venda de imóveis. Na maioria das situações, os imóveis são colocados em nome de parentes, para disfarçar a ilicitude da operação.” [1]
Exatamente por conta deste conhecimento, as regulamentações do COAF e do COFECI (entidade nacional que atua na regulação de corretagem imobiliária) colocam sob manto de suspeita aquelas operações realizadas por terceiros, ou quando há resistência na prestação das informações necessárias para a formalização da transação imobiliária ou do cadastro, dentre outras variáveis apontadas na legislação.
Comunicação de Operações ao COAF no Mercado Imobiliário
A Resolução COFECI nº 1.336/2014, alterada pela Resolução COFECI nº 1.463/2022) determinou a obrigação destas pessoas de comunicar ao COAF, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, no prazo de 24 horas da data da operação (“ou proposta de”) qualquer transação ou proposta de transação que envolva o pagamento ou recebimento em espécie de valor igual ou superior a R$ 100 mil ou o equivalente em moeda estrangeira, inclusive a compra ou venda de bens móveis ou imóveis que integrem o ativo das pessoas jurídicas, ou ainda em operações ou propostas de operações ligadas ao terrorismo ou seu financiamento (Resolução COAF nº 15, de 28/03/2007).
O art. 9º da Resolução COFECI 1.336/2014 traz uma listagem exemplificativa de proposta e/ou a realização de transações imobiliárias que podem configurar sérios indícios da ocorrência dos crimes previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro, ou com eles se relacionarem, como casos de valores inferiores ao limite estabelecido acima indicado que, por sua habitualidade e forma, possam configurar artifício para burlar os registros e as comunicações; ou cujo valor em contrato se mostre divergente da base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis inter-vivos – ITBI recolhido, dentre outras tantas hipóteses listadas na norma.
Segundo próprio COFECI, todo agente imobiliário, quando diante de uma proposta ou transação com características dos arts. 8º e 9º da Resolução COFECI 1.336/2014, deve manter especial atenção e cuidado, devendo “adotar medidas extras para buscar informações sobre as características dessa operação a fim de averiguar, dentro de suas possibilidades, se a operação busca a ocultação, dissimulação ou conversão de valores provenientes da prática de infrações penais. Se concluir que a operação é suspeita de lavagem ou mesmo se encontrar dificuldades na obtenção de informações para melhor entender a operação, deve comunicá-la ao COAF como operação suspeita. Todo esse procedimento de averiguação deve ser registrado por escrito e mantido com o agente imobiliário.”
Destacamos que para a legislação vigente, todas as denúncias levadas a efeito de boa-fé não acarretam responsabilidade civil ou administrativa para o responsável pela comunicação ao COAF, mesmo que o fato comunicado não represente crime.
As operações ou propostas devem ser comunicadas por meio eletrônico ao COAF em até 24 horas da data da transação/operação ou proposta de transação/operação ou a partir do momento em que se concluiu que a operação. Existem 2 tipos de comunicação ao COAF: a) Operações de Comunicação Automática (COA) – operações ou propostas de operações fixadas no art. 8º da Resolução COFECI nº 1.336/2014[2]; ou b) Comunicação de Operações Suspeitas (COS) – a proposta e/ou a realização de transações imobiliárias nas situações listadas no art. 9º da Resolução COFECI 1.336/2014, podemconfigurar sérios indícios da ocorrência dos crimes previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro[3].
Todas essas comunicações ao COAF são confidenciais, estando o empresário imobiliário ou corretor de imóveis protegidos, independente de eventuais desdobramentos, sendo que as comunicações feitas de boa-fé não acarretarão quaisquer responsabilidades.
A declaração pode ser feita diretamente através pelo website do COAF através do sistema SISCOAF pelo seguinte endereço eletrônico https://www.gov.br/coaf/pt-br/sistemas/siscoaf/siscoaf-acesso. O declarante (pessoa física ou jurídica) deve estar devidamente habilitado no sistema SISCOAF para poder cumprir as obrigações.
Parece-nos interessante, a título de esclarecimento, apresentar brevemente alguns exemplos de operações suspeitas indicadas pelo COFECI:
“Em caso de grande repercussão, envolvendo corrupção de fiscais, também houve lavagem do dinheiro obtido ilicitamente por meio de operações no setor imobiliário. Investigações do Ministério Público Estadual levaram a operações suspeitas de lavagem envolvendo os acusados de corrupção e empresas imobiliárias. Uma das formas de lavagem de dinheiro no setor imobiliário é a compra de imóveis com recursos de origem ilícita, por valores oficialmente menores que os valores efetivamente pagos. A diferença entre o valor da transação e o valor declarado oficialmente é paga com dinheiro em espécie e, em seguida, o imóvel é vendido pelo valor de mercado. O lucro aparentemente gerado é utilizado para justificar a origem do dinheiro.
Outros sinais de operações suspeitas são: (i) transações imobiliárias ou propostas que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar indícios de crime.; (ii) transação imobiliária incompatível com o patrimônio, a atividade principal desenvolvida ou a capacidade financeira presumida das partes.; (iii) recebimento de recursos com imediata compra de instrumentos para a realização de pagamentos ou de transferências a terceiros, sem justificativa; e (iv) movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica e a capacidade financeira.” [4].
Declaração Negativa Feita Diretamente ao COAF
O empresário imobiliário ou corretor de imóveis deve estar atento ao prazo e termos da Comunicação ou Declaração de Não Ocorrência de Transações ou Operações Passíveis de Serem Comunicadas ao COAF (“Declaração de Não Ocorrência”). O prazo para a entrega da referida obrigação finda sempre em 31 de janeiro de cada ano
Essa medida tornou-se obrigatória em 12 de julho de 2012 (com início a partir de 2014), sendo que, caso nenhuma operação ou proposta de operação suspeita ou de comunicação obrigatória ao COAF tenha sido realizada durante o ano civil, a Declaração de Não Ocorrência deverá ser enviada até o dia 31 de janeiro do ano seguinte (“Declaração Negativa”), e pode ser feita diretamente pelo website do COFECI no endereço eletrônico https://intranet.cofeci.gov.br/declaracao/
Considerações Finais
A obrigação de reporte visa auxiliar o empresário imobiliário ou corretor de imóveis em seu controle, e até mesmo para apuração de eventual responsabilidade por não comunicação de operação/ transação automática ou suspeita.
Vale lembrar, ainda, que os órgãos de fiscalização, em especialmente o COAF, trabalham com forte cruzamento de dados de declarações, e que em operações imobiliárias, cartórios que preparam escrituras e registros de imóveis e bancos, também informam ao COAF operações dos próprios agentes imobiliários.
Por fim, veja que o empresário imobiliário ou corretor de imóveis está proibidode comunicar ao seu cliente de que irá reportar e sobre a comunicação da operação, seja ela automática (COA) ou suspeita (COS).
Luís Rodolfo Cruz e Creuz, é advogado e consultor, doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e sócio de Cruz & Creuz Advogados, em São Paulo/SP.
[1] COFECI – Operações Consideradas Suspeitas. Disponível em https://www.cofeci.gov.br/operacoes-consideradas-suspeita.
[2] Resolução COFECI nº 1.336/2014: “Art. 8º – Independentemente de análise ou qualquer outra consideração, deverão ser comunicadas ao COAF, no prazo de vinte e quatro horas, abstendo-se de dar ciência aos clientes de tal ato: I – qualquer transação ou proposta de transação que envolva o pagamento ou recebimento em espécie de valor igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais) ou o equivalente em moeda estrangeira, inclusive a compra ou venda de bens móveis ou imóveis que integrem o ativo das pessoas jurídicas mencionadas no artigo 1o; II – qualquer das hipóteses previstas na Resolução COAF nº 15, de 28.3.2007.”
[3] Resolução COFECI nº 1.336/2014. “Art. 9º – A proposta e/ou a realização de transações imobiliárias nas situações listadas a seguir podem configurar sérios indícios da ocorrência dos crimes previstos na Lei nº 9.613, de 1998, ou com eles se relacionarem, devendo ser analisadas com especial atenção pelas pessoas mencionadas no artigo 1º desta resolução e, se consideradas suspeitas, comunicadas ao COAF, aquelas: I – com valores inferiores ao limite estabelecido no artigo 8º que, por sua habitualidade e forma, possam configurar artifício para burlar os registros e as comunicações acima referidas; II – com aparente aumento ou diminuição injustificada do valor do imóvel; III – cujo valor em contrato se mostre divergente da base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter-vivos – ITBI recolhido; IV – incompatíveis com o patrimônio, a atividade principal desenvolvida ou a capacidade financeira presumida das partes; V – nas quais os agentes atuem no sentido de induzir a não-manutenção dos registros da transação realizada; VI – nas quais haja resistência na prestação das informações necessárias para a formalização da transação imobiliária ou do cadastro, oferecimento de informação falsa ou prestação de informação de difícil ou onerosa verificação; VII – que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar indícios de crime; VIII – cujo pagamento ou recebimento seja realizado por terceiros; IX – cujo pagamento seja realizado com recursos de origens diversas (cheques de várias praças e/ou de vários emitentes) ou de diversas naturezas; X – cujo comprador tenha sido anteriormente dono do mesmo imóvel; XI – cujo pagamento tenha sido realizado por meio de transferências de recursos do exterior, em especial oriundos daqueles países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados, nos termos da regulamentação expedida pela Secretaria da Receita Federal, transações envolvendo pessoa jurídica domiciliada em jurisdições consideradas pelo Grupo de Ação contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI) de alto risco ou com deficiências estratégicas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo; e XII – cujo pagamento ou recebimento envolva pessoa física ou jurídica estrangeira ou com domicílio/sede em outro país. Parágrafo Único – As hipóteses elencadas não excluem a possibilidade de que outras operações com características distintas sejam consideradas suspeitas.”
[4] COFECI – Operações Consideradas Suspeitas. Disponível em https://www.cofeci.gov.br/operacoes-consideradas-suspeitas .