Por David Roberto R. Soares da Silva
O aumento da complexidade e do valor do patrimônio familiar no exterior exige a adoção de medidas mais sofisticadas de planejamento sucessório. Não planejar a sucessão no exterior não resolve o problema e poderá ser causa de transtornos e custos aos sucessores.
Das opções disponíveis, as estruturas fiduciárias são amplamente utilizadas para assegurar a proteção e transmissão do patrimônio no exterior, nelas incluídas as fundações privadas estrangeiras e os trusts.
Trataremos aqui de uma estrutura fiduciária simplificada que pode ser muito útil quando o assunto é a sucessão em empresas offshore: o mini-trust.
Primeiramente, vale dizer que o termo “mini-trust” não existe em nenhuma legislação dos países que adotam o trust. É um termo leigo que serve para identificar uma forma simplificada de trust.
O trust clássico pode ser uma estrutura bastante complexa, exigindo assessoria especializada e muito cuidado na elaboração do seu documento de constituição. Sem querer entrar em detalhes sobre as especificidades do trust, que não caberiam neste artigo, vale destacar seus elementos essencias, também presentes no mini-trust, a saber.
O settlor (instituidor): o settlor é o proprietário das ações da offshore que serão transferidas ao trust (incluindo o mini-trust).
O trustee (“gestor”), normalmente uma pessoa jurídica, é quem recebe o patrimônio (ações da offshore) que constituirá o fundo do trust, tornando-se o seu proprietário e com o dever de administrá-lo em prol dos beneficiários nos termos do documento do trust.
O beneficiário é a pessoa em prol de quem o trustee deverá gerir o patrimônio do trust de acordo com as regras estabelecidas pelo settlor. Nesse ponto, vale notar que o settlor também pode ser um beneficiário do trust. Isso efetivamente ocorre nos trusts revogáveis, nos quais o settlor tem o poder de encerrar (=revogar) o trust e receber os bens de volta ao seu patrimônio pessoal.
O trust fund é o patrimônio aportado pelo settlor ao trust, acrescido das rendas e ganhos auferidos a partir da criação do trust. No caso do mini-trust, o trust fund é constituído unicamente pelas ações da empresa offshore.
É inegável que o trust clássico possui atrativos ao oferecer proteção aos bens e permitir a criação de regras para administração e distribuição de patrimônio às futuras gerações. No entanto, em muitos casos, ele não é a solução ideal, seja pelo valor reduzido do patrimônio envolvido ou da simplicidade familiar de sucessores, seja pela desnecessidade ou mesmo falta de interesse em um planejamento sucessório que vá além da próxima geração.
Mas não fazer nada não é solução, pois a consequência será a abertura de processo de inventário no país de jurisdição da offshore, com a contratação de advogados (e pagamento de vultosos honorários), custos com traduções e legalização de documentos, remessas expressas internacionais, sem contar a falta de acesso aos recursos até o fim do inventário e partilha das ações.
Para essas situações mais simples, que não demandam uma sucessão complexa, é possível a criação de uma estrutura fiduciária simplificada que tem se revelado uma ferramenta interessante no planejamento sucessório internacional.
Chamada por alguns de mini-trust, trata-se de um estrutura simplificada de trust com basicamente dois objetivos principais: (1) deter as ações da empresa offshore, e (2) transmití-las aos beneficiários – normalmente sucessores do settlor – quando do seu falecimento, sem a necessidade de inventário no exterior.
Com o mini-trust, tampouco não será necessário inventário das ações da offshore no Brasil, dado que o país adota o regime da pluralidade de juízos sucessórios, ou seja, somente se processa inventário e partilha no Brasil sobre bens localizados em território nacional, o que não é o caso das ações da offshore.
O mini-trust possui os mesmos elementos de um trust clássico (settlor, trustee, beneficiário e trust fund), mas sua estrutura é bem mais simples e as atribuições (deveres) do trustee são reduzidas ao máximo e limitadas no tempo. Ele tem se demonstrado interessante para famílias que possuem bens no exterior — especialmente ações em empresas offshore — e querem evitar a abertura de inventário no exterior com todas as inconvenciências que isso traz.
É possível idenfificar as seguintes características no mini-trust:
- o settlor é sempre uma pessoa física;
- a estrutura é sempre revogável pelo settlor;
- o mini-trust recebe um ou poucos ativos, basicamente participações em empresas offshore ou cotasde smart funds;
- o primeiro beneficiário é sempre o próprio settlor;
- como segundo beneficiário, o settlor nomeia uma ou mais pessoas que receberão os bens do mini-trust quando da sua morte;
- com a morte do settlor, o mini-trust é encerrado e o trustee deve transferir as ações ou cotas aos segundos beneficiários sem a necessidade de inventário;
- ele é não discricionário, ou seja, o trustee não tem poderes para decidir questões relevantes dentro da estrutura, mas deve, sim, seguir as instruções do settlor (que será basicamente transferir os ativos aos segundos beneficiários quando da sua morte).
Pela flexibilidade de sua legislação sobre trusts, Bahamas é uma jurisdição perfeita para a constituição de mini-trusts, para os quais, diga-se não há um regramento específico. Uma das vantagens de Bahamas é a possibilidade de o mini-trust deter participações em empresas constituídas em outras localidades popularmente utilizadas para sediar offshores, como as Ilhas Virgens Britânicas (BVI), Panamá, Cayman, Bermuda etc. Em BVI, também é possível constituir uma estrutura similar ao mini-trust, denominado VISTA trust, porém seu principal obstáculo é a exigência de que somente ações de empresas registradas em BVI podem ser detidas por essa espécie de mini-trust.
Embora em Bahamas ou BVI não existam regras de herança forçada (legítima) como no Brasil, é recomendável que a escolha dos beneficiários não viole as regras de sucessão brasileira, no caso de settlor residente no Brasil. Por essa e outras razões, é recomendável aconselhamento jurídico adequado.
Em resumo, pode-se dizer que as principais características que diferenciam o mini-trust de um trust clássico são (i) a limitação dos poderes do trustee e (ii) o término (extinção) do mini-trust no falecimento do settlor com a distribuição do trust fund aos beneficiários.
Assim, essa estrutura é primordialmente concebida para transmitir o patrimônio (ex., offshore) uma única vez, não servindo como instrumento de planejamento sucessório para múltiplas gerações.
A simplicidade do mini-trust faz dele uma ferramenta interessante de planejamento sucessório internacional para estruturas familiares menos complexas.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
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