Por David Roberto R. Soares da Silva
Que o brasileiro não gosta de admitir que um dia irá morrer, isso é um fato. Mas, não pensar no assunto não faz o problema ir embora. Muito pelo contrário. Ferramenta muito útil no planejamento sucessório, o seguro de vida ainda sofre alguma resistência pelos brasileiros, em parte em razão do tabu ‘morte’, mas também por desconhecimento de todo o seu potencial e das suas vantagens.
De acordo com a lei civil, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio estipulado, a garantir o interesse do segurado contra riscos predeterminados[1]. No caso de seguro de vida, o interesse é o capital segurado, livremente estipulado pelo proponente, que será pago quando do falecimento daquele sobre quem recai o seguro. Note que, diferentemente de outros tipos de seguro, é possível contratar mais de um seguro sobre a mesma vida com mais de uma companhia de seguros.
Quando a contratação do seguro for sobre a vida de outra pessoa, o contratante do seguro (proponente) é obrigado a declarar o seu interesse pela preservação da vida do segurado. Essa regra é excepcionada nos casos de cônjuge, companheiro, ascendentes e descendentes, para os quais o interesse é presumido por lei.
Uma das vantagens do seguro de vida é a desnecessidade de seguir a ordem sucessória para a escolha de beneficiários, sendo lícita a substituição de beneficiário a qualquer momento, em vida ou por testamento[2], devendo-se, no entanto, dar ciência da substituição à seguradora. É possível, até mesmo, a indicação de companheiro como beneficiário de seguro de vida se ao tempo da contratação o proponente já estava separado de fato[3]. Somente na falta de indicação de beneficiário, o capital da apólice de seguro será pago ao cônjuge (metade), se não separado judicialmente, e aos herdeiros do segurado (outra metade), devendo ser obedecida a ordem de vocação hereditária estabelecida em lei[4]. Isso ocorre, por exemplo, quando o beneficiário da apólice falecer antes do segurado e o proponente não promover a indicação de novos beneficiários. Numa situação extrema em que não houver cônjuge ou herdeiros necessários, poderá pleitear a condição de beneficiário aquele que provar que a morte do segurado o privou dos meios necessários à subsistência.
Sob o ponto de vista de planejamento patrimonial e sucessório, o seguro de vida se torna um instrumento poderoso à medida em que a indenização paga pela seguradora não responde pelas dívidas do segurado (falecido) nem é considerada herança para todos os fins de direito[5]. Não ser considerada herança traz outro aspecto importante, de natureza tributária: o capital pago não se sujeita ao ITCMD, o que representa uma economia de até 8% (a depender do estado de domicílio do beneficiário) se comparado com a herança ou o legado de outros ativos financeiros. Também não há incidência do IR para as pessoas físicas beneficiárias de indenização paga por morte do segurado, mas o valor recebido deve ser informado da Declaração de Ajuste Anual como rendimento isento e não tributável.
De acordo com o Art. 796 do Código Civil, no seguro de vida, o prêmio pode ser conveniado por prazo limitado ou por toda a vida do segurado. No entanto, no Brasil, as seguradoras, por regra, estabelecem um prazo limitado do contrato de seguro exigindo que seja feita nova contratação depois de algum tempo. Essa limitação de prazo de contratação pode vir a ser um problema, pois, terminado o contrato, a seguradora poderá se negar a uma nova contratação ou exigir novos exames do segurado para a renovação.
Também é comum no seguro de vida estipular um prazo de carência, durante o qual a seguradora não responde pela ocorrência do sinistro. Nesse caso, ocorrendo a morte durante o prazo de carência, a seguradora é obrigada a entregar ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada, mas não o total do capital segurado originalmente contratado. Nos casos de morte por suicídio, o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, sendo nula a cláusula que estabeleça de modo diverso[6].
Especificamente no que se refere ao planejamento sucessório, não é recomendável que se comprometa parcela considerável dos ativos financeiros existentes no pagamento do prêmio de um seguro de vida padrão, pois não é possível prever quando o capital segurado será pago. Por essa razão, recomenda-se o uso do seguro de vida como uma ferramenta complementar ao planejamento sucessório. Quando o valor do patrimônio imobilizado (imóveis, sociedades empresariais, veículos etc.) for relevante, a contratação de seguro de vida pode servir como uma poupança para cobrir o valor do ITCMD a ser pago sobre esse patrimônio e os custos com funeral e despesas com inventário Dessa forma, estima-se o valor do ITCMD devido e contrata-se um seguro de vida desse valor como capital segurado, evitando-se com isso que os herdeiros tenham que vender bens para pagamento do ITCMD, custas judiciais e honorários de advogados.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
[1] Código Civil, Art. 757.
[2] Código Civil, Art.791.
[3] Código Civil, Art. 793.
[4] Código Civil, Art. 792.
[5] Código Civil, Art. 794.
[6] Código Civil, Art. 798.
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