Por David Roberto R. Soares da Silva e Ricardo Almeida Blanco
É de conhecimento público que os serviços prestados pelas serventias extrajudiciais no Brasil, popularmente conhecidas como cartórios (Tabelionatos de Notas e Ofícios de Registros de Imóveis), sempre foram vistos como burocráticos e desnecessários, sobretudo em razão da constante exigência de atendimento presencial como condição para a prática de atos notariais, como lavratura de escrituras de compra e venda de imóveis, divórcios extrajudiciais, inventários extrajudiciais, registro de nascimentos, casamentos e reconhecimentos de firmas.
Diante disso, embora os serviços praticados pelos cartórios sejam essenciais para o exercício da cidadania, principalmente por serem considerados serviços públicos fundamentais exercidos por delegação, a exigência por atendimento presencial dos solicitantes nos estabelecimentos cartorários, quase sempre lotados e com filas, há tempos vem sendo avaliada pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável pela fiscalização dos serviços notariais e de registro, sobretudo após a chegada dos meios eletrônicos para certificação e identificação de pessoas.
Com efeito, com a chegada da internet e dos meios eletrônicos, muitos avanços já foram implantados para desafogar os cartórios dos atendimentos presenciais, inclusive com o surgimento das centrais eletrônicas regulamentadas que já permitem que alguns serviços cartorários (p. ex., remessa de títulos e pedidos de certidões), antes solicitados de forma presencial nos cartórios, agora sejam solicitados, pagos e recebidos pela internet ou por meio físico em suas residências.
Com a chegada da COVID-19 ao Brasil muitas cidades decretaram medidas restritivas de atividades, inclusive com a suspensão de atendimentos presenciais em estabelecimentos prestadores de serviços não essenciais.
Face a tais medidas restritivas para atendimento presencial e considerando a essencialidade dos serviços notariais, foram publicados os Provimentos nºs 94 e 95, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tratam de regras de funcionamento dos cartórios (Tabelionatos de Notas e Ofícios de Registro de Imóveis) durante o período da pandemia. Seu objetivo é assegurar a continuidade da prestação dos serviços notariais e de registro, assim como a preservação da saúde dos oficiais de registros, tabeliões, seus prepostos e os usuários em geral.
Dentre as principais regras contidas nos Provimentos, destaca-se a adoção do atendimento à distância, no qual oficiais de registros e tabeliães foram autorizados a utilizar os serviços postais, mensageiros ou qualquer outro meio seguro para o recebimento e devolução de documentos destinados à prática de seus atos. Também foram autorizados o recebimento de títulos e documentos em forma eletrônica, assim como a realização de comunicação por todos os meios existentes.
Assim, o atendimento presencial foi reduzido aos casos excepcionais sendo que os estabelecimentos em cidades com alto índice de contaminação tiveram que adotar medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias como condição para o seu funcionamento. Dentre tais medidas, incluem-se a redução do horário de atendimento presencial, implantação de faixas de distanciamento, limitação de acesso, disponibilização de álcool em gel, luvas e máscaras para os atendentes que tenham contato com documentos em papel e com o público, e higienização rotineira do estabelecimento.
Em meio a tantos acontecimentos, o CNJ acelerou seus planos para a digitalização dos cartórios, publicando o Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020, que estabelece as normas gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos por meio do sistema “e-Notariado”.
Este sistema está sendo implantado pelo Colégio Notarial do Brasil para interligar os cartórios de todo o Brasil, permitir a prática de atos notariais eletrônicos à distância e possibilitar o intercâmbio de documentos e tráfego de informações e dados por meio eletrônico.
Quando totalmente implantado, o sistema e-Notariado permitirá a lavratura de atos notariais de forma eletrônica, sem a necessidade de deslocamento pessoal aos cartórios. Acesse o site https://www.e-notariado.org.br/ para navegar pelas funcionalidades do sistema.
Para a prática dos atos notariais eletrônicos – detentores de fé pública –, é necessário o cumprimento de certos requisitos, tais como: (i) videoconferência com o tabelião para a confirmação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico; (ii) concordância expressada pelas partes com os termos do ato notarial eletrônico; (iii) assinatura digital realizada exclusivamente por meio do sistema e-Notariado; (iv) assinatura do Tabelião com a utilização do certificado digita ICP-Brasil; e (v) uso de formatos de documento de longa duração com assinatura digital.
O e-Notariado disponibiliza várias funcionalidades para a prática dos atos notarias eletrônicos, dentre as quais destacam-se o fornecimento gratuito de certificados digitais e assinaturas eletrônicas (notarizados) para o uso exclusivo dos usuários do sistema. Ele ainda oferece a gravação e arquivamento das videoconferências e documentos públicos lavrados na plataforma do e-Notariado, permitindo consultas posteriores dos atos notariais eletrônicos lavrados.
Não há dúvidas de que o sistema e-Notariado chega em boa hora para os cidadãos e empresas de todo o Brasil, pois permitirá que atos notarias, por vezes postergados em razão da exigência de atendimento presencial, agora sejam realizados on-line e à distância.
Em breve, procurações, escrituras de compra, venda, permuta, doação e outras transações com imóveis, inventários e divórcios extrajudiciais, casamentos, reconhecimentos de firmas e cópias autenticadas, em tese, poderão ser realizados de forma eletrônica sem a necessidade de comparecimento pessoal ao cartório. Alguns poucos atos eletrônicos já foram lavrados no Rio de Janeiro e São Paulo, mas a tendência é que se espalhem por todo o Brasil.
O e-Notariado não irá suprimir a existência física dos cartórios, mas os tornará mais eficiente e céleres no atendimento das demandas essenciais à populução e ao mundo dos negócios.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners, e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, e Tributação da Economia Digital no Brasil. todos publicados pela Editora B18.
Ricardo Almeida Blanco é associado especialista em planejamento patrimonial e sucessório do Battella, Lasmar & Silva Advogados.