Por Bruno Lima e Moura de Souza
O direito à vida entabula o rol de direitos fundamentais contidos no art. 5º da Constituição Federal, sendo este o principal direito do ser humano. No entanto, para que este direito seja efetivamente exercido é imprescindível a existência da dignidade da pessoa humana, o que se estende aos meios adequados para a sua subsistência, onde os alimentos se enquadram como um dos principais meios.
O Imposto de Renda tem como fato gerador a disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos de qualquer natureza, de modo que o indivíduo que aufere renda está obrigado por lei a pagar o conhecido “IR”. A renda é considerada como sendo riqueza nova e, ao se pretender tributar a pensão alimentícia, o que se verifica é a penalização do hipossuficiente que precisa daqueles recursos para levar uma vida digna.
Diferente de outros países considerados de primeiro mundo, tais como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e vários outros que dispõem de uma estrutura social mais desenvolvida para acolher a população hipossuficiente, o Brasil tem o costume de impor a tributação do imposto de renda, mensalmente na sistemática do Carnê-Leão, sobre os valores recebidos a título de pagamento de pensão alimentícia, bem como de alimentos provisionais.
Isso quer dizer que o alimentante (aquele que paga a pensão alimentícia) ao receber os seus rendimentos, que são devidamente tributados, retira uma parcela desses rendimentos e os destina ao alimentando (aquele que recebe a pensão alimentícia) para a subsistência deste. De acordo com a lei brasileira, o alimentando terá a importância recebida a título de pensão alimentícia também tributada pelo imposto de renda no momento do seu recebimento, de modo que esta mesma importância terá sido tributada duas vezes: 1) quando o alimentante a recebeu a título de rendimento e, 2) no momento que o alimentando a recebeu a título de pensão alimentícia ou alimentos provisionais.
Teria a pensão alimentícia caráter remuneratório fazendo incidir sobre ela o Imposto de Renda?
Pois bem, a fim de questionar a constitucionalidade dessa tributação o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família – ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 5422 no STF. O IBDFAM alega, em síntese, que a Constituição Federal assegura a todos condições mínimas de sobrevivência, de forma a garantir a todos um padrão aceitável de subsistência.
Os valores pagos a título de pensão alimentícia não têm natureza remuneratória, visto que são destinados à sobrevivência e a suprir às necessidades básicas de uma pessoa. Assim, não poderiam ser considerados como renda ou riqueza nova e, consequentemente, proventos que pudessem se sujeitar à incidência do IR, de modo que tributar os alimentos violaria o princípio da dignidade da pessoa humana.
Com entendimento favorável à parte autora da ADI, o STF formou maioria considerando ser inconstitucional a exigência do IR incidente sobre as importâncias pagas a título de pensão alimentícia.
O Relator da ação, Ministro Dias Toffoli se pronunciou no sentido de que os alimentos ou pensão alimentícia “não são renda nem provento de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas simplesmente montantes retirados dos rendimentos (acréscimos patrimoniais) recebidos pelo alimentante para serem dados ao alimentado. Nesse sentido, para o último, o recebimento de valores a título de alimentos ou de pensão alimentícia representa são somente uma entrada de valores”. (grifo nosso)
O posicionamento do Relator Ministro Dias Toffoli foi seguido pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
O Ministro Alexandre de Moraes complementou o entendimento favorável à não tributação: para ele, “não faz sentido deduzir o valor equivalente da base de cálculo do IRPF do devedor, o qual possui capacidade contributiva comprovada – justamente o que autoriza, em primeiro lugar, a exigência da verba alimentar -, para submeter o alimentando, a parte mais frágil da relação familiar, à incidência desse imposto em seu desfavor.”
O voto do Ministro Alexandre de Moraes escancara a incoerência de se tributar tais valores, uma vez que o alimentante, parte financeiramente capaz, tem a benesse de deduzir o valor dos alimentos para fins tributários na sua declaração de IR, enquanto a parte hipossuficiente, o alimentando, fica obrigada a recolher o imposto sobre esses mesmos valores ainda que não tenha qualquer acréscimo patrimonial.
Ainda nesse sentido, o Ministro Roberto Barroso enfatizou que “compete à União instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Apesar de o texto constitucional não apresentar um conceito esmiuçado de renda e proventos de qualquer natureza, decorre da própria materialidade eleita pelo contribuinte, bem como da aplicação do princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º), que sua intenção é a tributação de valores que configurem manifestação de riqueza de seu detentor. O imposto de renda, assim, não deve incidir sobre verbas indenizatórias ou sobre verbas utilizadas para garantir o acesso ao mínimo existencial, mas sobre valores que se caracterizam como aumento patrimonial.” (grifo nosso)
Mesmo com a maioria já formada, o Ministro Gilmar Mendes apresentou pedido de destaque, portanto o julgamento, que ocorria de forma virtual, será interrompido e passará a ser julgado de forma presencial.
De qualquer forma, as perspectivas para que não se tribute a “renda” recebida a título de pensão alimentícia são animadoras, em razão da maioria já formada, sendo boas as probabilidades para a correção desta injustiça fiscal existente há anos.
Bruno Lima e Moura de Souza é advogado pós-graduado em direito tributário e integrante do departamento de tax e wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados em São Paulo.
SAIBA MAIS SOBRE IMPOSTO DE RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS COM O NOSSO BEST SELLER PLANEJAMENTO PATRIMONIAL:
1 comments