A questão sucessória no campo traz complicações adicionais, dado que envolve não apenas o patrimônio, mas também o exercício da atividade rural, com todas as suas peculiaridades. Some-se a isso, questões culturais que centralizam no patriarca/matriarca as decisões importantes nos negócios.
Para quem é do interior do Brasil sabe: filho ficava em casa até se formar no ensino médio (antigo segundo grau) e depois ia estudar na cidade grande. Lá, ele se formava e não voltava mais para o lar; acabava ficando na cidade grande para consolidar sua profissão. Esse era um cenário corriqueiro no passado.
Atualmente, os filhos do campo continuam indo estudar na cidade grande, sim, mas a diferença é que boa parte deles acaba voltando para casa, formados, e com um enorme desejo de trabalhar na atividade dos seus pais. Esse tem sido o perfil atual das novas gerações do agronegócio.
Os fatores que têm atraído o interesse das novas gerações em dar continuidade nos negócios da família no campo são:
- possibilidade de uso das tecnologias, através de máquinas e equipamentos com tecnologia embarcada de última geração, como tratores, colheitadeiras e sensores remotos para controle da produção;
- maior possibilidade de remuneração em relação à cidade;
- maior qualidade de vida do interior em relação aos grandes centros urbanos.
Portanto, a questão sucessória dentro das empresas familiares rurais é uma realidade cada vez mais presente nos lares do campo no Brasil. Não apenas com relação aos aspectos práticos do campo, mas também sobre a gestão dos negócios e do patrimônio.
Gradativamente, os patriarcas vêm delegando aos sucessores o exercício das atividades que envolvem a gestão e a tomada de decisões, até então sob os cuidados exclusivos desses futuros sucedidos. Mas, questões culturais, comportamentais e tradições familiares, por vezes, impedem ou dificultam que a transição ocorra de maneira tranquila e sem conflitos.
Não se pode negar a existência de patriarcas e matriarcas centralizadores, que não delegam e ficam no controle até o fim do seu ciclo de vida, não preparando os sucessores tanto para os negócios como na distribuição do patrimônio.
Certa vez, em uma palestra, ouvi o seguinte recado de uma produtora rural para os pais: “Afinal, vocês querem formar sucessores ou herdeiros para a perpetuar os seus negócios?“
Como pode ver, nem tudo são flores na sucessão dentro do agro: de um lado, pais resistentes a mudanças e, do outro, filhos com baixo engajamento nas atividades e pouco interesse na sucessão dos negócios.
Fato interessante que tenho percebido em algumas famílias nos últimos anos é a utilização da contratação de financiamento rural como forma de envolver os filhos na atividade e despertar seu interesse nos negócios da família. Mas, como isso é possível?
A resposta está nas linhas de crédito rural que permitem financiamento conjunto com pessoas de um mesmo grupo familiar. As características dessas linhas de crédito são as seguintes:
- permitem financiar atividades rurais de implantação, adequação ou ampliação das atividades agropecuárias;
- os financiamentos, geralmente, são de longo prazo, podendo atingir até dez anos;
- como a maioria das linhas de crédito possuem limites de contratação por CPF, para se conseguir um volume maior de recursos é necessário envolver mais membros da família, ou seja, mais CPFs dentro do mesmo grupo familiar.
Um exemplo prático é a linha de financiamento chamada Inovagro, destinada para incorporação de inovações tecnológicas nas propriedades rurais, visando ao aumento da produtividade e melhoria de gestão[1].
Portanto, tanto nos aspectos de gestão e operação do negócio agropecuário familiar, como no aspecto familiar, esse tipo de financiamento acaba agregando os demais membros da família, contribuindo para o engajamento e permanência deles nos negócios no campo.
Mas, para que um processo sucessório tenha êxito entre as famílias do agronegócio, é preciso estar atento quanto à necessidade de realizar tanto a sucessão patrimonial, como a sucessão da gestão e operacional da atividade.
Com isso, o “passar o bastão” aos sucessores poderá ser mais suave, por envolvê-los na atividade agropecuária, e menos traumático possível, evitando desavenças entre os membros da família. Vale lembrar, por fim, que os atritos familiares para discutir herança e sucessão pela via litigiosa são os grandes motivos de dilapidação do patrimônio familiar no meio rural, tal como ocorre nas famílias urbanas.
José Luís Bassani é economista, professor universitário e planejador financeiro pessoal com foco em planejamento patrimonial e sucessório para produtores rurais.
[1] Saiba mais em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/produto/inovagro
Tema muito importante, principalmente no Agronegócio, com evolução de tecnologias e práticas de gestão inovadoras.