A recente publicação da Lei nº 14.973/2024 trouxe à luz um novo mecanismo para a atualização de valores de bens imóveis, com a possibilidade de tributação reduzida. Contudo, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a aplicação prática dessa norma exige uma análise criteriosa para não se transformar em uma armadilha tributária.
O Que a Lei Estabelece?
A Lei nº 14.973/2024 não foi criada especificamente para um objetivo específico, mas para remendar vários trechos de legislações diferentes. O objetivo é arrecadar, afinal a conta não está fechando.
Tanto é assim que o Art. 1º da lei trata da desoneração da folha de pagamento, na verdade encerra a desoneração da folha em 31/12/2024. O Art. 2º redefine as alíquotas das contribuições para o PIS/PASEP-Importação e para a COFINS-Importação incidentes sobre a importação de bens e serviços. Já Art. 3º trata das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas, inclusive cooperativas, associações e sindicatos, sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço.
E a foice segue arrancando dinheiro do bolso do brasileiro até chegar ao Art. 6º que parece que veio dar um alívio e permitir que o brasileiro possa atualizar os valores dos bens imóveis na sua declaração de imposto de renda pagando “apenas” 4% de imposto sobre o valor dessa atualização. Mas a realidade está longe disso.
Realmente a Lei nº 14.973/2024 permite que os proprietários de imóveis realizem uma atualização do valor de seus bens mediante o pagamento de um imposto reduzido de 4% sobre o ganho de capital, ao invés dos tradicionais 15% a 22,5%. E essa alíquota reduzida se aplica à diferença entre o valor original de aquisição e o valor atualizado, desde que a operação de atualização seja feita até 90 dias após a promulgação da lei.
Sim, é verdade, porém, no Art. 8º volta a foice!
O contribuinte que se beneficiar dessa redução do imposto não poderá vender o imóvel em menos de 180 meses sem ter que pagar imposto sobre o valor da atualização. E pasmem: se vender dentro dos 36 meses seguintes à atualização, seja porque teve uma emergência ou porque recebeu uma oferta irresistível, terá que pagar o imposto normalmente, com zero de redução.
É isso mesmo que você leu: 0% (zero por cento)!!
Ou seja, nesse caso o contribuinte que pagou os 4% irá pagar o imposto normalmente e terá jogado no lixo os 4% que pagou no “benefício”.
Qual o Custo e o Benefício?
No papel, a proposta parece tentadora: pagar 4% para atualizar o valor de um imóvel que se valorizou substancialmente ao longo dos anos. Mas será que faz sentido para todos? Vamos analisar.
Considere o exemplo de um imóvel adquirido em 2006 por R$ 100.000,00, que hoje valha R$ 1.000.000,00. Sem a atualização, a venda desse imóvel geraria um ganho de capital de R$ 900.000,00, e o imposto a pagar, considerando os redutores do GCAP (Ganhos de Capital), seria em torno de R$ 59.113,58, ou cerca de 6,66% do ganho. Isso sem considerar que se for um imóvel residencial sendo vendido para adquirir outro imóvel residencial no prazo de 180 dias da venda o imposto seria isentado nessa operação, mas isso é de conhecimento geral, certo?
Voltando ao raciocínio, com a nova lei, é possível pagar 4% sobre a diferença, resultando em um imposto de R$ 36.000,00 (R$900.000,00 x 4%), desde que o imóvel não seja vendido nos próximos 15 anos. Dessa forma é possível observar uma economia: R$59.113,58 é mais do que R$36.000,00!
Quando Faz Sentido Utilizar Esse Recurso?
A atualização de valores pode ser uma boa estratégia em cenários específicos, como por exemplo:
- Imóveis Herdados com Valor Histórico Baixo: Se você herdou um imóvel comercial com valor histórico muito abaixo do mercado, a atualização pode evitar um ônus tributário pesado no futuro. Por exemplo, um imóvel que foi declarado por R$ 1.000,00 (muito comum em imóveis comprados antes do Plano Real tenham valores muito baixos) e hoje vale R$ 2.000.000,00. O pagamento de quase R$ 80.000,00 agora (4% do ganho) pode ser uma forma de evitar um imposto muito maior em uma futura venda.
- Planejamento Sucessório e Integralização de Bens em Empresas: Se a ideia é integralizar o imóvel em uma holding familiar ou sociedade patrimonial pelo valor de mercado, a atualização pode ser interessante para que o valor entre atualizado na empresa. Porém, é importante lembrar que a doação de quotas com esses valores atualizados pode gerar um custo elevado de ITCMD, especialmente no caso de o imposto sobre doações ser majorado, passando a 16% ou mesmo 20%.
As Armadilhas do Novo Regime
Entretanto, a lei traz algumas condições que podem transformar essa aparente vantagem em um verdadeiro tiro no pé:
- Período de 15 Anos de Restrição: Se você vender o imóvel antes de completar 15 anos da atualização, a vantagem é perdida. Essa perda vai sendo reduzida com o tempo. O ganho de capital será tributado integralmente com a alíquota de 15% se o imóvel for vendido nos primeiros 36 meses. Isso significa que, além dos 4% pagos no início, você ainda arcará com um imposto adicional, terminando com um custo superior ao que pagaria sem a atualização.
- Imóveis com Longo Tempo de Posse: Em imóveis adquiridos há mais de 20 anos, onde os redutores já diminuíram significativamente o ganho de capital, a alíquota efetiva pode estar próxima ou até abaixo dos 4%. Nestes casos, a atualização não compensa.
Ou seja, a Lei nº 14.973/2024 abre uma janela de oportunidades para um público específico, proprietários de imóveis com valores históricos muito baixos e que pretendem atualizar esses valores sem vender no curto prazo. No entanto, para a maioria, a análise deve ser feita com muito cuidado, levando em consideração o histórico de aquisição, o tempo de posse e os objetivos futuros com o imóvel.
Conclusão
Antes de optar pela atualização, é fundamental realizar simulações detalhadas e consultar um especialista em planejamento patrimonial e tributário para entender todos os cenários possíveis. Afinal, o que parece ser uma economia de 11% pode, no fim das contas, resultar em um custo ainda maior.
Roberto Campos é contador e especialista em planejamento patrimonial, sucessório e tributário no Rio de Janeiro/RJ
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