Por Pedro Sherring Ribeiro Klautau
No decorrer de um casamento, a escolha do regime de bens é essencial e pode impactar diretamente no destino do patrimônio do casal. No entanto, enquanto a divisão de bens é frequentemente discutida, poucas vezes se aborda o delicado assunto de como as dívidas adquiridas durante o matrimônio serão divididas em caso de separação.
Neste artigo, iremos explorar as nuances dos regimes de bens, a legislação aplicável e os cuidados que devem ser tomados para proteção do patrimônio.
É importante ressaltar que, segundo a legislação vigente, as dívidas contraídas em prol da economia doméstica durante o matrimônio são presumivelmente compartilhadas, independentemente do regime de bens adotado. É o que dispõem os Art. 1.643 e 1.644 do Código Civil, senão vejamos:
Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro:
I – comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;
II – obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.
Art. 1.644: As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges.
Essa presunção, vale dizer, é relativa, podendo ser contestada mediante a apresentação de provas em contrário.
Além disso, o Art. 1566 do Código Civil estabelece que ambos os cônjuges têm o dever de fidelidade recíproca, o que pode ser interpretado não apenas como fidelidade amorosa, mas também no financeira. O tema não é muito comentado, mas a fidelidade financeira não pode ser menosprezada, dado que pode afetar seriamente o patrimônio conjugal, ainda que sob a separação total de bens.
É possível, e até recomendado, que se considere a inserção de cláusula de fidelidade financeira em pacto antenupcial como forma de proteção patrimonial. Pode-se estabelecer, por exemplo, que dívidas para a economia doméstica acima de determinado valor sejam comunicadas ao cônjuge ou companheiro, fomentando o diálogo financeiro do casal e minimizando surpresas desagradáveis.
Em uma ação de divórcio e partilha, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) analisou o tema[1] de dívidas contraídas na constância do casamento e os seus reflexos quando da partilha no divórcio. Durante o casamento, sob o regime da comunhão parcial de bens, um casal adquirira diversos bens, entre eles uma moto e um apartamento, tendo realizado reforma no imóvel. Tanto a aquisição dos bens, como a reforma, foi custeada por meio de empréstimos e financiamento bancário contraídos apenas pelo marido.
Em primeira instância, o juiz de 1º grau determinou a partilha apenas dos bens do casal, incluindo o valor da reforma. Todavia, indeferiu a partilha dos empréstimos pessoais feitos pelo ex-marido, pois entendeu que nenhuma das provas apresentadas no processo comprovava que os empréstimos teriam beneficiado o casal como um todo.
Inconformado, o cônjuge varão recorreu da decisão para ver considerados e partilhados os valores atinentes às dívidas contraídas em prol do casal e da sua vida em comum.
Ao analisar o recurso, o TJMG julgou favoravelmente ao cônjuge. Na ótica do tribunal, as dívidas contraídas durante o casamento devem ser compartilhadas, uma vez que se presume que os valores levantados foram utilizados em prol da família. Cabe à parte contrária apresentar provas objetivas para desconstituir essa presunção relativa, o que não teria sido feito pela ex-esposa.
Vale transcrever a ementa da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA – DÍVIDAS CONTRAÍDAS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO – MEAÇÃO DEVIDA – RECURSO PROVIDO. – As dívidas contraídas na constância do casamento devem ser partilhadas, já que se presume que as quantias levantadas foram usadas em favor da família, cabendo à parte contrária produzir prova objetivando desconstituir tal presunção relativa – Recurso provido.
É importante ressaltar que existem diversas outras formas pelas quais um casal pode contrair dívidas, mesmo que estejam apenas no nome de um dos cônjuges. Por exemplo, dívidas de cartão de crédito podem ser usadas para financiar viagens familiares ou presentear os membros da família. A depender da destinação dos valores dados à dívida contraída, nem mesmo o regime da separação total pode evitar que um cônjuge venha a responder pela dívida do outro, embora o patrimônio, em si, não se comunique por força de lei.
Diante disso, é essencial que os casais estejam atentos às implicações financeiras durante o casamento, independentemente do regime de bens adotado. Manter uma comunicação aberta, buscar o equilíbrio financeiro e tomar decisões conjuntas são elementos essenciais para evitar desentendimentos e proteger o patrimônio do casal.
Pedro Sherring Ribeiro Klautau é graduando em Direito pelo Insper, em São Paulo.
[1] TJMG, Apelação Cível nº 10000211620372001, julgamento em 10.02.2022.
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Assunto pouco esclarecido.
Portanto, divulgação de suma importância para evitar desentendimento entre casais.
Abordado com objetividade e de fácil entendimento.
Parabens.
Excelente artigo, de interesse público, com texto objetivo e claro, como tem que ser, pra atingir o grande público.
Ótimo artigo, de fácil entendimento.
Parabéns!
Assunto importante, atual e muito útil!
Fornece esclarecimento para uma base concreta nas relações financeiras aos casais já constituídos e a todos aqueles que planejam uma vida em comum, agregando valores para uma relação saudável e estável hoje e sempre.
Excelente artigo, parabéns pelo esclarecimento.