Por Artur Francisco da Silva e Tatiana Antunes Valente Rodrigues
As relações interpessoais são permeadas de uma gama, quase que infinita, de emoções e gestos. Amor, raiva, alegria, tristeza, frustração, e tantas outras que fazem parte da existência humana.
Para o que nos interessa, falemos da solidariedade, que tanto pode ser vista como um sentimento quanto uma postura. Se solidarizar é apoiar, é dar suporte a quem necessita, é exercer a empatia em sua plenitude.
E no campo do Direito – regras postas de modo a manter a ordem social – , certamente haveria, como de fato há, alguma norma aplicável sobre a solidariedade, sobre o dever que certas pessoas guardam umas com as outras. Por ser algo tão nobre, seria de se supor que as pessoas fossem autocríticas o suficiente para olharem para o próximo e deliberadamente lhe estendessem a mão. Mas sabemos que a dinâmica das relações humanas não funciona bem assim. Infelizmente…
Nesse passo, entra em cena o instituto dos “alimentos”. Apesar de possuir múltiplas acepções jurídicas, para o que nos interessa, a definição trazida pelo Art. 1.695 do Código Civil nos basta:
“São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclama pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.
Por alimentos não se dá a compreensão literal. Inclui-se, também, tudo o que for indispensável para o desenvolvimento humano, como habitação, transporte, vestuário, lazer, alimentação, saúde, assistência médica, educação, entre outros, com o objetivo de manter a dignidade do indivíduo.
O Código Civil estabelece que o surgimento da obrigação alimentar está diretamente ligado ao vínculo de parentesco.
Além disso, é fundamental que os alimentos sejam fixados na proporção das necessidades de quem recebe os alimentos e dos recursos de quem os paga, ou seja, atendendo-se aos critérios de necessidade, possibilidade e proporcionalidade. Os alimentos não podem e não devem acarretar prejuízos ao patrimônio daquele que os presta, como também não pode servir de enriquecimento para quem os recebe.
Outras características que podemos citar e que são intrínsecas aos alimentos são: a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a imprescritibilidade e a reciprocidade, sendo que esta última é característica de destaque do presente estudo.
Portanto, a prestação de alimentos está, assim, fincada na: (i) existência de vínculo de parentesco entre quem recebe e quem paga; (ii) necessidade de quem recebe e possibilidade de quem paga; (iii) proporcionalidade na fixação do valor, entre a necessidade e a possibilidade de quem recebe e quem paga.
Na relação parental, o Art. 1696 do Código Civil se encarrega de limitar como ocorre a relação de alimentos: “os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação”.
É relação de ônus e bônus. Se parentes, cônjuges ou companheiros podem vir a ser herdeiros na cadeia sucessória, podem vir a prestar alimentos uns aos outros, de maneira recíproca.
Parentesco, sob a ótica da lei, ocorre em dois graus distintos: i) parentes em linha reta, entre ascendentes e descendentes – pais e filhos, avós e netos, pais e avós etc.; e ii) parentes em linha colateral, até o quarto grau, com origem no mesmo tronco familiar, mas sem descenderem umas das outras, como os irmãos, tios, sobrinhos, sobrinhos-netos e tios-avós.
Cumpre enfatizar que a obrigação, em primeiro lugar, cabe aos pais, e só na ausência ou impossibilidade deles é que haverá o chamamento da linha ascendente, como os avós, ou ainda, os bisavós.
E essa relação ocorre de maneira recíproca entre os envolvidos, uns com os outros, podendo pais reclamarem alimentos aos filhos.
Lembra da solidariedade falada em linhas anteriores? O dever aqui é de auxílio, de comunhão e esforços para que haja harmonia entre que estão ligados pelo mesmo tronco familiar.
Porém, com relação ao idoso, a regra é diversa. Aquele que, com idade igual ou superior a 60 anos, pleiteia alimentos, tem em seu benefício a solidariedade dos devedores, conforme se extrai do art. 12 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003): “A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”. Não há, portanto, divisibilidade.
Um exemplo de como ocorre essa reciprocidade pode ser vista no seguinte julgado:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR ASCENDENTE CONTRA DESCENDENTE. DEVER DE SOLIDARIEDADE E DE MÚTUA ASSISTÊNCIA ENTRE OS FAMILIARES. (…) Os alimentos são cabíveis porque calcados na solidariedade existente entre os ascendentes e descendentes, principalmente quando demonstrado que os alimentandos são idosos, percebendo modesta renda proveniente de aposentadoria e demandam inúmeras despesas médicas. Hipótese em que o agravante comprovou a impossibilidade de cumprir com a obrigação no montante fixado no juízo de origem, devendo ser reduzidos os alimentos provisórios fixados. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJRS – Agravo de Instrumento – Nº 70082976275 (Nº CNJ: 0269536-46.2019.8.21.7000) – Sétima Câmara Cível – Regime de Exceção – 30/10/2020)
Vejamos outro exemplo:
FAMÍLIA – ALIMENTOS – RECIPROCIDADE NA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS ENTRE PAIS E FILHOS. Necessidade da genitora. Possibilidade do filho – binômio necessidade/possibilidade atendido. Recurso desprovido.
1 – A obrigação de prestar alimentos é recíproca entre pais e filhos. Da mesma forma que é dever dos pais amparar os filhos, quando necessitados, é dever dos filhos cuidar dos pais, quando estes já não dispõem de energia para, com suas próprias forças, garantir seu sustento.
2 – Restando demonstrado nos autos as necessidades da alimentanda, que conta com mais de 60 (sessenta) anos de idade, é deficiente auditiva, e com dificuldades para trabalhar, e as possibilidades do alimentante, seu filho, devem ser lhe fixados alimentos. Ainda que a parte receba alimentos de outra fonte, no caso, da genitora, é cabível o recebimento de alimentos do filho, quando aqueles são insuficientes à sua manutenção. (TJ-DF – APL: 100785420098070006 DF 0010078-54.2009.807.0006, Relator: LÉCIO RESENDE, Data de Julgamento: 15/12/2010, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 11/01/2011, DJ-e Pág. 287).
Ao tratar dos alimentos em favor dos ascendentes, a lei, a doutrina e a jurisprudência sempre se baseiam na reciprocidade da obrigação, orientando-se, principalmente, pelo fato de que, se os pais sustentaram os filhos enquanto estes não podiam se sustentar, nada mais justo que esse sustento seja retribuído pelos filhos, no caso de necessidade dos pais.
A reciprocidade da obrigação alimentar nada mais é que o dever de mútua assistência, através do qual os pais têm o dever de assistir e sustentar os filhos menores, devendo, os filhos, amparar os pais em sua velhice.
Quando falamos sobre a obrigação alimentar, importante lembrar que a necessidade do filho menor é sempre presumida, não cabendo a ele provar que necessita de alimentos para sobreviver, haja vista sua capacidade de auto sustento. A falta de condições financeiras por parte daquele responsável pelos alimentos, não o exime de suas obrigações para com seu filho. Não sendo este capaz de prover os alimentos, poderão ser chamados seus ascendentes para cumprir a obrigação e, podendo contribuir com quantia que não seja suficiente, da mesma forma, os avós podem ser chamados para completar o valor devido.
Por seu lado, o ascendente que pretende pleitear alimentos de seus descendentes, deve provar sua necessidade, não podendo, no entanto, o filho se eximir da obrigação, caso tenha condições de cumpri-la.
O inadimplemento das obrigações alimentares pode trazer consequências graves.
Da mesma forma que genitores inadimplentes podem ter prisão decretada por não cumprirem sua obrigação para com seus filhos, também existe a possibilidade de que os descendentes que deixem de prestar assistência a seus ascendentes sejam punidos da mesma forma.
Por obvio que, fixados os alimentos, caso exista alguma mudança na situação financeira de quem os supre, ou na situação de quem os recebe, poderá o interessado acionar o Judiciário, por meio da denominada ação revisional, para reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, sua exoneração, redução ou majoração. Assim, vemos que a obrigação alimentar é modo de garantir a sobrevivência e dignidade daqueles que, seja por sua menoridade, seja por condições precárias ao fim da vida, não tem condições de mantê-las sozinhos.
Artur Francisco da Silva, é advogado em São Paulo e coautor do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, da Editora B18.
Tatiana Antunes Valente Rodrigues é advogada especialista em direito de família, sucessões e planejamento patrimonial, coordenadora do Lopes Domingues Advogados, e coautora do livro Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, publicado pela Editora B18