Por Eduardo de Oliveira Clausen
Cada vez mais, os tribunais brasileiros estão se adaptando aos novos tempos e permitindo que bens atípicos, como criptoativos e milhas aéreas, sejam objeto de penhora para fins de satisfação de dívidas contraídas por seus titulares.
O ordenamento jurídico brasileiro está sempre em desenvolvimento, pois deve acompanhar o avanço da sociedade, a qual está destinada à constante evolução. Com o instrumento judicial da penhora não é diferente. Em uma análise objetiva das recentes decisões judiciais, verifica-se uma vontade dos tribunais judiciais quanto ao avanço nos meios de penhora previstos no Código de Processo Civil, na mesma medida que novos bens passiveis de penhora vêm surgindo.
De acordo com o processualista Humberto Theodoro Júnior, a penhora é o “ato inicial de expropriação do processo de execução, para individualizar a responsabilidade executória mediante apreensão material, direta ou indireta, de bens constantes do patrimônio do devedor”.
Se analisarmos o novo Código de Processo Civil (CPC), publicado em 2015, os dispositivos que tratam sobre a penhora nos processos de execução sofreram grandes alterações. Destaca-se o texto do antigo Art. 655 do código de Processo Civil de 1973, o qual passou a ser o Art. 835 do atual Código de Processo Civil
O Art. 835 do novo Código de Processo Civil, além de estabelecer uma ordem preferencial na qual a penhora deve ser adotada, traz, em seu rol, os bens passíveis de serem penhorados. Na última atualização, verificaram-se novas inserções ao rol do Art. 835, possibilitando a penhora de: VII – semoventes, e XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia. Essa alteração demonstra a vontade dos legisladores em expandir os bens passíveis de penhora.
Nos últimos anos, a sociedade foi impactada pela mais recente transformação do mercado financeiro, os famosos criptoativos – ativos digitais transacionados de forma eletrônica que podem ser utilizados para investir e especular, transferir valores ou, ainda, para acessar serviços, existindo exclusivamente de maneira digital.
Com a criação de um novo ativo financeiro, torna-se essencial verificar a possibilidade de penhora desse bem, a tópico de diversos debates no âmbito jurídico. Partindo de uma análise jurisprudencial, fica claro a vontade dos tribunais brasileiros em pacificar o entendimento sobre o tema.
Nesse sentido, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), ao julgar o Agravo de Instrumento 0026506-94.2020.8.16.0000, considerou as criptomoedas como objeto penhorável, sendo análogo a títulos e valores mobiliários com cotação no mercado, enquadrando-se no inciso III do artigo 835.
Em outro acórdão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em decisão proferida no Agravo de Instrumento 2127776-80.2022.8.26.0000, estabeleceu como lícita a penhora de criptoativos, equiparando-os ao dinheiro, sendo prestigiada na mesma hipótese prevista no inciso I, do Art. 835 do CPC, para os efeitos da penhora judicial.
Buscando tornar o tema incontestável, o deputado Paulo Eduardo Martins apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1600/22, que visa a alteração do Código de Processo Civil para regular a penhora de criptoativos, que, no momento, aguarda designação de relator na comissão de constituição e justiça e de cidadania (CCJC).
Outro bem que vem sendo tema de debate nos tribunais judiciais são as milhas aéreas. A 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), ao julgar o Agravo de Instrumento nº 0712398-97.2022.8.07.0000, deferiu uma solicitação liminar em um incidente de cumprimento de sentença, para determinar a penhora sobre milhas áreas do devedor, devido à falta de outros bens ou direitos do devedor para garantir o pagamento do crédito do requerente.
A decisão do TJDFT está em conformidade com o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), que, em 2020, reconheceu o valor monetário dos pontos e milhagens de programas de fidelidade. O TJMG afirmou que não há impedimento para a conversão desses benefícios em valores, uma vez que existem empresas especializadas somente na comercialização de milhas aéreas. Naquela ocasião, foi entendido que as milhas se enquadram no inciso XIII do Art. 835 do Código de Processo Civil, “outros direitos”. A previsão é que os tribunais judiciais comecem a conceder cada vez mais novas medidas de penhora atípicas, de bens que não se encontram explícitos no rol do Art. 835, quase, no limite da criatividade do credor.
Eduardo de Oliveira Clausen é graduando em Direito e estagiário do escritório Poletto & Possamai Advogados, em Curitiba/PR.
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