Por Ana Luiza Ribeiro Naback Salgado
Em casos de divórcio ou dissolução de união estável, a questão dos alimentos (pensão) à(o) ex-companheiro(a) é um tema bastante sensível e não livre de controvérsias. Enquanto uns podem pensar que nada é devido, outros acham que se trata de direito eterno.
Em verdade, não é nem uma coisa nem outra, havendo premissas e parâmetros a serem seguidos. É o que veremos a seguir.
Os alimentos não se restringem às situações de parentesco, como entre pais e filhos, mas abrangem também relações de vínculo civil, como o casamento e a união estável.
O dever de alimentar, nestes casos, decorre da solidariedade familiar e do dever de mútua assistência, que o casal assume quando opta pelo casamento ou pela união estável, perdurando na constância da relação e para além dela. Isto é, pode subsistir após o seu término, sob certas condições.
Inicialmente, vale ressaltar que os alimentos independem do regime de bens adotado para reger a relação, e sua renúncia prévia em pacto antenupcial ou contrato de convivência é nula e ineficaz. Esta é a previsão do art. 1.707 do Código Civil:
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém, lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
A fixação de alimentos entre cônjuges e companheiros segue igualmente o binômio necessidade-possibilidade comum à espécie, porém, neste caso (e cada vez mais sedimentado na jurisprudência), o seu caráter é excepcional e transitório, salvo algumas exceções.
Isso significa dizer que, embora possa haver necessidade de um consorte perceber alimentos ao fim da relação, este direito não é permanente, mas sim transitório, até que o consorte necessitado restabeleça o curso normal da sua vida, adequando-se à nova realidade. É o que se denomina de obrigação sujeita à regra rebus sic stantibus, permanecendo o dever, enquanto estiverem presentes as premissas que levaram à sua instituição. Ocorrendo alteração ou cessação das premissas, que levaram à instituição dos alimentos, estes podem ser extintos ou revisados.
Com isso em mente, torna-se mais palpável averiguar quando a situação do pensionamento entre ex-cônjuges ou companheiros admite ou não pedido de revisão ou exoneração.
Vejamos.
Se a necessidade alimentar teve origem em função de idade mais avançada, acometimento de alguma doença séria ou incapacitante, dificuldade concreta de reinserção no mercado de trabalho ou situações afins, a transitoriedade cede espaço para caráter mais prolongado, se não permanente, do dever de prestar alimentos, com poucas possibilidades de êxito na exoneração.
E por que isso acontece?
Porque, nessas hipóteses, a premissa que deu origem à pensão tende a se manter de forma permanente ou prolongada. Assim, em casos similares, pode-se dizer que a exoneração dos alimentos fica mais limitada à alteração da possibilidade de quem presta alimentos ou ao fato superveniente de o alimentado (quem recebe) contrair novas núpcias ou união estável.
É o que tem decidido nos tribunais, como no caso abaixo transcrito:
“Exoneração de alimentos. Ex-esposa. União estável da credora com outro homem. Prova. 1. A obrigação alimentar vincula-se à cláusula rebus sic stantibus, podendo ser revisada sempre que ocorrer substancial alteração no binômio possibilidade e necessidade, sendo possíveis os pleitos de redução, majoração ou exoneração de alimentos. 2. Havendo elementos de convicção sólidos de que a credora de alimentos mantém união estável ou concubinária com outro homem, tal fato faz cessar o dever de prestar a pensão alimentícia de parte do ex-marido ex vi do art. 1.708 do CCB. Recurso Provido.” (TJRS – AC 70078676814 RS, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 31/10/2018 – destaques nossos).
Por outro lado, ausentes essas exceções, o pensionamento entre o ex-casal, a partir da análise das particularidades de cada caso concreto, será estipulado durante período hábil, para que o necessitado reassuma a autonomia da sua vida, mesmo que isso venha a implicar padrão social diferente do anteriormente vivido.
Além disso, nem sempre é preciso aguardar todo o prazo inicialmente fixado na concessão dos alimentos transitórios, se evidente a alteração das premissas que levaram à sua concessão.
Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo exonerou alimentos fixados a uma psicóloga, ao verificar que ela exercia atividade remunerada e poderia prover o seu próprio sustento, ainda que com redução do padrão de vida que levava anteriormente.
Vale transcrever a ementa da decisão:
“EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. CABIMENTO. PENSIONAMENTO À EX-COMPANHEIRA EXCEPCIONAL E TRANSITÓRIO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ação de exoneração de alimentos. Pensão ao exconvivente que tem caráter excepcional e transitório, a ser fixada por termo certo, salvo na impossibilidade do alimentando conquistar a autonomia financeira, pela idade avançada ou incapacidade para o trabalho. Ex-companheira que é psicóloga e exerce atividade remunerada. Rendimentos auferidos pela ré suficientes para prover o seu sustento, mormente considerando a possibilidade de valer-se dos frutos civis do patrimônio partilhado para complementação da renda, cabendo a ela adequar o padrão de vida à atual situação financeira, não havendo motivos para contar com o auxílio do ex-companheiro de forma perene. Cabimento da exoneração da obrigação alimentar. Condenação do autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Manutenção. Ocultação deliberada de parte dos documentos relevantes à apreciação do requerimento, após determinação de juntada. Conduta de deslealdade processual. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido.” (TJSP, APC 1003116-24.2020.8.26.0704, Rel. Des. J.B. Paula Lima, j. 12/06/2021 – destaques nossos)
O momento para pleitear alimentos surge a partir da separação de fato ou quando do pedido de divórcio ou dissolução da união estável, seja ele judicial ou extrajudicial. Se judicial, o pedido deve ser formulado em petição inicial (se o alimentando for o autor da ação) ou em sede de reconvenção, caso o alimentando figure no polo passivo da demanda. Transcorridas estas oportunidades, salvo expressa ressalva de que pode haver demanda futura por alimentos, o direito se extingue, em razão da dissolução do vínculo e do dever de assistência mútua entre o casal, seguindo cada qual com sua vida de forma independente.
Já o momento, por fim, para o pleito de revisão ou exoneração de alimentos, evidencia-se a partir da alteração dos fatos que ensejaram a sua instituição (salvo se houver termo certo já prefixado), não sendo possível apontar uma fórmula exata que afirme quando e como a obrigação deve ser encerrada. Tais pedidos, como visto, não podem vir desacompanhados de bom contexto probatório.
Ana Luiza Ribeiro Naback é advogada pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil, associada do BLS Advogados em Belo Horizonte/MG.
Excelente artigo! Sugiro um que fale sobre a necessidade de alimentos para filho incapaz.