Enquanto o Congresso Nacional permanece estático e não evolui na tão sonhada reforma tributária, o Supremo Tribunal Federal (STF) continua a proferir decisões que impactam fortemente no bolso dos contribuintes, e, dessa vez, o assunto é referente ao Imposto de Renda (IR).
Atualmente, está em discussão no STF a não incidência de Imposto de Renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5422. Atenção: o tema é referente somente à pensão com origem no direito de família, e não com relação a outras obrigações legais que podem também atribuir o direito à pensão — por exemplo, estipulada em contrato, ou por cláusula testamentária.
A saber, os alimentos no direito de família são aqueles que guardam origem na relação de (i) parentesco — pais e filhos, (ii) cônjuges e (iii) companheiros.
Basicamente, quando se fala em alimentos, alinhado ao recolhimento do Imposto de Renda, temos duas partes distintas: aquela que paga, chamada de alimentante, e aquela que recebe, chamada de alimentando. Para o alimentante, a legislação oferece a oportunidade de deduzir o valor pago a título de pensão da base de cálculo do Imposto de Renda a pagar, conforme abaixo:
Lei nº 9.250/95
Art. 4º — Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda, poderão ser deduzidas:
(…)
II – as importâncias pagas a título de pensão alimentícia em face das normas do Direito de Família, quando em cumprimento de decisão judicial, inclusive a prestação de alimentos provisionais, de acordo homologado judicialmente, ou de escritura pública a que se refere o art. 1.124-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — Código de Processo Civil (redação dada pela Lei nº 11.727, de 2008).
Ou seja, a pensão alimentícia é totalmente dedutível do Imposto de Renda do alimentante, bastando que na declaração anual seja preenchido o campo “Alimentandos” com número de RG, CPF e data de nascimento, informando o valor creditado na ficha “Pagamentos Efetuados”, nos códigos 30: Pensão alimentícia judicial paga a residentes no Brasil, ou 33: Pensão alimentícia — separação/divórcio por escritura pública paga a residente no Brasil.
Já com relação ao alimentando, a regra tributária é bem distinta, e aqui reside o objeto de análise pelo STF. O alimentando deve reconhecer o valor dos alimentos como rendimento tributável e pagar Imposto de Renda de acordo com a tabela progressiva. É o que determina a legislação sobre o tema, senão vejamos:
Lei nº 7.713/1988
Art. 3º O imposto [de renda] incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.
§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.
Decreto nº 3000/99[1]
Art. 5º No caso de rendimentos percebidos em dinheiro a título de alimentos ou pensões em cumprimento de acordo homologado judicialmente ou decisão judicial, inclusive alimentos provisionais ou provisórios, verificando-se a incapacidade civil do alimentado, a tributação far-se-á em seu nome pelo tutor, curador ou responsável por sua guarda[2].
Art. 54 São tributáveis os valores percebidos, em dinheiro, a título de alimentos ou pensões, em cumprimento de decisão judicial ou acordo homologado judicialmente, inclusive a prestação de alimentos provisionais[3].
É certo que o Imposto de Renda incide em casos de acréscimo patrimonial com origem no lucro, proveito ou ganho do contribuinte, e deve ser cobrado uma única vez sobre o mesmo fato gerador. Paga-se uma porcentagem da renda auferida pelo cidadão ou empresa, como meio de cobrir as despesas estatais.
Mas, para fins de pensão alimentícia, o que é renda? Ou melhor, pode ser considerado acréscimo patrimonial um montante que muitas vezes é destinado à manutenção de necessidades básicas de quem dela (pensão alimentícia) necessita?
A discussão sobre o tema no STF iniciou com o Ministro Dias Toffoli, cujo voto deixa claro dois pontos que servem de base ao raciocínio conclusivo pela inconstitucionalidade do IR sobre os alimentos recebidos pelo alimentando:
- o valor pago pelo alimentante já foi fato gerador de Imposto de Renda quando este recebeu seus rendimentos (ex., salários), logo, não poderia servir novamente de base de cálculo do mesmo tributo quando recebido pelo alimentando;
- a dedução fiscal da pensão alimentícia pelo alimentante, além de precária, pois pode ser revogada a qualquer momento pelo legislador, beneficia somente a ele, e não ao alimentando, que é parte mais frágil na relação tratada entre ambos.
A primeira observação a ser feita é o fato de os rendimentos do alimentante já terem sido objeto de tributação pelo Imposto de Renda quando foram por ele recebidos— item 1. É bom lembrar de que existe um número considerável de profissionais que recebem seus rendimentos via lucros e dividendos, que sabidamente são isentos de Imposto de Renda, e o mesmo pode ser dito daqueles que recebem abaixo do piso, fixado em R$ 2.500,00 mensais. Desse modo, esse argumento nos apresenta certa fragilidade quando em oposição a situações de não tributação da renda do alimentante.
E, ainda que se fale em tributação, como dito anteriormente, há dedução integral do valor despendido a título de pensão, o que remete ao item 2. Para o bem e para o mal, essa foi a opção do legislador quando da instituição da dedução. Pode ser precária e revogada a qualquer momento? Sim, mas ainda assim, dedutível. Em detrimento do alimentando, é fato, beneficia-se o mantenedor dos alimentos.
Talvez a questão resida mais no campo dos princípios e valores do Direito do que na leitura literal da Lei. É fato que boa parte das pensões alimentícias são destinadas a menores, frutos de relacionamentos conjugais que não mais florescem. E que, em parte, são valores com base em proximidade ao salário-mínimo vigente — óbvio que não é uma regra, mas uma praxe — que geram parcos rendimentos mensais. Nas palavras do Ministro Dias Tóffoli, e sem desconsiderar os outros fatores que podem deflagrar o direito à pensão alimentícia no campo do Direito de Família — cônjuge, companheiro etc. — “o instituto jurídico dos alimentos decorre de valores humanitários e dos princípios da solidariedade e dignidade humana, e destina-se àqueles que não podem arcar com a própria subsistência”. (…) “Seu conteúdo está diretamente atrelado à tutela da pessoa e à satisfação de suas necessidades fundamentais” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5422).
Portanto, a obrigação alimentícia deixa de ser somente um mero acréscimo patrimonial e passa a ser dotada de uma carga valorativa, visando o bem-estar do alimentando, sua própria existência e desenvolvimento, sobretudo quando envolve menores. Daí a sua natureza não patrimonial e, por conseguinte, sua inaptidão para a incidência do Imposto de Renda.
Ao tempo da redação deste ensaio, foi proferido somente um voto, favorável à tese da inconstitucionalidade da tributação da pensão alimentícia, mas ainda há um longo debate a ser tratado pelos Ministros do STF. Como dito, sob a ótica legalista, interpretação literal da legislação, a cobrança deve permanecer como atualmente está, sem alteração. No entanto, a contemporaneidade, a evolução social e os demais valores e princípios jurídicos devem ser levados em consideração pela Corte, em prestígio à proteção de uma parcela da população fragilizada e carente de recursos.
Antes que se conclua, vale lembrar que a sociedade brasileira é uma das mais desiguais do mundo, fato que não se discute. Ao mesmo tempo em que uma massa gigantesca de pessoas deve alimentos próximo ao valor de um salário-mínimo, uma fatia menor — quase microscópica em amplitude demográfica — recebe grandes montantes, a exemplo da famosa modelo Luciana Gimenez, cujo filho Lucas Jagger aufere 17,5 mil dólares ao mês, segundo o jornal inglês Sunday Mirror. Sem dúvida, esse é mais um ponto a ser cuidado pelo STF, sob pena de não tratar os desiguais na medida de suas desigualdades.
Artur Francisco da Silva é advogado em São Paulo.
[1] O Decreto nº 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda) foi revogado pelo Decreto nº 9.850/2018, mas o caso perante o STF se referia a período anterior ao novo decreto.
[2] Atual art. 4º do Decreto nº 9.850/2018.
[3] Atual art. 46 do Decreto 9.850/2018.
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