Mais uma decisão a favor dos contribuintes foi proferida recentemente pelo STF. Declarou a Corte que não incide o imposto sobre a renda (IR) sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia quando ordenados pelo Direito de Família.
Inicialmente, vale dizer que a pensão alimentícia com origem no Direito de Família é aquela que guarda relação com o parentesco (pais e filhos), cônjuges ou companheiros. É necessário ter em mente duas pessoas distintas quando o assunto é pensão alimentícia: o alimentante (aquele que paga) e o alimentando (quem recebe).
Em meados de 2015, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade – ADI nº 5422, questionando artigos da Lei nº 7.713/88 que exigiam a cobrança de IR de renda sobre prestações alimentares. Segundo o IBDFAM, o legislador deve obediência ao estipulado pela Constituição Federal ao considerar qualquer ingresso de capital como “renda e proventos de qualquer natureza”.
Pois bem. E como ocorre a tributação nesse caso? O alimentante tem o direito de deduzir o montante pago a título de pensão de alimentos da base de cálculo do IR, nos seguintes termos:
Lei nº 9250/95
Art. 4º – Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas:
(…)
II – as importâncias pagas a título de pensão alimentícia em face das normas do Direito de Família, quando em cumprimento de decisão judicial, inclusive a prestação de alimentos provisionais, de acordo homologado judicialmente, ou de escritura pública a que se refere o art. 1.124-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
Portanto, a partir do momento de pagamento do encargo, pode o alimentante deduzi-lo por completo do IR. Sua obrigação acessória consiste em preencher o campo “Alimentandos” na declaração anual, com os dados do beneficiário, e informar o valor creditado na ficha “Pagamentos Efetuados”, nos códigos 30 (Pensão alimentícia judicial paga a residentes no Brasil), ou 33 (Pensão alimentícia – separação/divórcio por escritura pública paga a residente no Brasil).
Nessa parte nada se alterou. Ou seja, continua o alimentante podendo deduzir de seu IR a parcela relativa à pensão de alimentos. A mudança foi justamente em prol do alimentante.
Veja quais foram os normativos principais atacados pela ADI:
Lei nº 7.713/1988
Art. 3º O imposto [de renda] incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (Vide Lei 8.023, de 12.4.90)
§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.
Decreto nº 3.000/1999
Art. 5º No caso de rendimentos percebidos em dinheiro a título de alimentos ou pensões em cumprimento de acordo homologado judicialmente ou decisão judicial, inclusive alimentos provisionais ou provisórios, verificando-se a incapacidade civil do alimentado, a tributação far-se-á em seu nome pelo tutor, curador ou responsável por sua guarda (Decreto-Lei nº 1.301, de 1973, arts. 3º, § 1º, e 4º)
Art. 54 São tributáveis os valores percebidos, em dinheiro, a título de alimentos ou pensões, em cumprimento de decisão judicial ou acordo homologado judicialmente, inclusive a prestação de alimentos provisionais (Lei 7.713, de 1988, art. 3, § 1º).
Até a decisão proferida pelo STF, era essa a situação do alimentando: recebeu, ultrapassou o limite de isenção, recolhe-se o imposto sobre a renda.
Agora não. O STF considerou essa tributação inconstitucional. E por quê?
Um primeiro argumento foi o acréscimo patrimonial.
Pela leitura do Art. 153, III, da Constituição, o conceito de renda e proventos de qualquer natureza deve ser visto pela óptica de verdadeiro acréscimo patrimonial, o que não é o caso da pensão alimentícia. Essa é somente um valor retirado do pagador (alimentante) para ser dado ao beneficiário. Nas palavras do relator, o Ministro Dias Toffoli, “O recebimento desses valores representa tão somente uma entrada de valores”.
Um outro ponto abordado é a bitributação. Quando o alimentante recebe seus ganhos, já está sujeito ao imposto sobre a renda, e caso o alimentando venha a pagá-lo, estará incidindo novamente o tributo. Será a cobrança em duplicidade da obrigação tributária pelo mesmo fato gerador.
E, por fim, a dedução.
Como dito acima, o alimentante pode deduzir o valor pago a título de pensão alimentícia de seu IR, e assim procedendo, só a ele é concedida a benesse, e não ao alimentando, fato que os tornaria desiguais.
O acórdão ainda não foi publicado, mas espera-se que alguns pontos sejam esclarecidos, sobretudo a questão da dedução e a equanimidade entre a pessoa que paga e aquele que recebe o montante.
Pensemos no seguinte: é certo que quem paga deduz de seu imposto a pagar a pensão devida, mas aquele que recebe não teria a mesma oportunidade, causando uma disparidade na situação.
Porém, pensemos que nem todas as pensões, ao contrário da esmagadora maioria da realidade brasileira, são restritas a valores baixos, que servem somente para a subsistência de quem as recebe.
Um exemplo: o jogador de futebol Neymar Jr., de acordo com a revista Forbes, paga uma pensão de 15 mil dólares ao filho desde 2012, e atualmente em estaria em quase 22 mil dólares, o que daria mais de 103 mil reais nos dias atuais. Com a decisão do STF, esse valor será recebido livre de qualquer tributação de IR, e melhor ainda, pode o menor requerer a repetição do indébito, a depender da modulação dos efeitos do julgado.
Que a pensão alimentícia tem caráter de subsistência, com um grande sentido de manutenção das necessidades básicas de quem as recebe, é indiscutível. Mas existem casos que a realidade é tão discrepante, como o acima citado, que ao invés de trazer a equalização nas relações sociais, econômicas e jurídicas, torna o abismo ainda maior.
Em todo caso, é preciso aguardar o acórdão, para se saber a partir de quando essa decisão surtirá seus efeitos. Com isso, àqueles que recolheram indevidamente o IR sobre pensão alimentícia poderão requerer a devolução do tributo, corrigidos pela taxa SELIC, e em tempos de índice elevado, pode ser bem vantajoso.
Artur Francisco da Silva é advogado do departamento de wealth planning e tax do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
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Ótimo artigo. Será que será possível pedir de volta o IR pago ainda esse ano ou ano que vem?