Por David Roberto R. Soares da Silva
Como já amplamente divulgado, o PL 4173, que cria a tributação automática das offshore, foi aprovado no Senado Federal no último dia 29 de novembro e aguarda a sanção presidencial. A sua sanção é certa e a pergunta que fica é: será que há alguma oportunidade no curto prazo?
Se a tributação automática já é uma certeza, talvez seja possível adotar algumas medidas no curto prazo para tirar proveito de suas disposições.
Já tratei da questão da contabilidade das offshore e da não tributação automática do lucro não realizado.
Mas, independentemente dessas questões, e a depender do portifólio de cada um, talvez existam algumas medidas que permitam tirar proveito da lei, gerando alguns ganhos ao titular de empresas offshore com investimentos financeiros.
Antecipação de lucros em 2023
Assumindo que não seja vetado, temos o Art. 6º do PL 4173 que estabelece que os lucros das offshore apurados até 31.12.2023 somente serão tributados quando forem efetivamente distribuídos ao seu titular. Vejamos a sua redação:
Art. 6º Serão tributados no momento da efetiva disponibilização para a pessoa física residente no País, na forma prevista no art. 2º desta Lei:
I – os lucros apurados até 31 de dezembro de 2023 pelas controladas no exterior de pessoas físicas residentes no País, enquadradas ou não nas hipóteses previstas no § 5º do art. 5º desta Lei.
Utilizando esse dispositivo, tem-se que a realização de lucros ainda em 2023 permitirá diferir a tributação do lucro indefinidamente, tal como ocorre hoje.
Imagine que a offshore de Jonas tenha comprado 1.000 ações da EXXON MOBIL em 2020, quando a ação valia USD 33,00. Hoje, a ação está cotada por cerca de USD 104,00. Nesse período de pouco mais de três anos, essa ação subiu mais de 215%. Agora imagine dois cenários: no cenário 1, a offshore de Jonas vende as ações ainda em 2023 por USD 104; no cenário 2, ela vende as ações pelos mesmos USD 104, mas em março de 2024.
No cenário 1, o lucro de USD 71 mil ocorrerá em 2023 e, pelo Art. 6º, não será tributado até o momento em que Jonas receba esses USD 71 mil como dividendos (diferimento da tributação).
No cenário 2, o lucro de USD 71 mil ocorrerá em 2024 e, de acordo com o Art. 5º, § 10, será tributado em 15% (USD 10.650) em abril de 2025.
Agora imagine que logo após vender as ações por USD 104, a offshore de Jonas recompre as ações ainda em 2023, pelos mesmos USD 104, pois seu advisor acredita ainda ser um bom investimento. Chamemos essa recompra de cenário 3.
Mas, as coisas não saem como programado, e as ações da EXXON MOBIL caem para USD 80 em março de 2024, quando são vendidas.
Juntando o cenário 1 e 3, teremos que a offshore de Jonas poderá diferir os USD 71 mil do lucro que teve em 2023. Por outro lado, com a recompra por USD 104 e venda por USD 80, ele apurou um prejuízo de USD 24.000 em 2024.
Ora, o Art. 5º, § 14 do PL 4173 permite que os prejuízos apurados a partir de 1º de janeiro de 2024 poderão ser deduzidos de lucro futuro.
Nesse caso, temos que a venda das ações em 2023, com sua recompra no mesmo ano, e um possível prejuízo em 2024, permitirá não apenas que o lucro de 2023 seja diferido, como dará à offshore o direito de deduzir USD 24 mil de prejuízos contra lucros futuros.
Agora, analisemos o cenário 2 no qual a offshore de Jones não vendeu as ações a USD 104 em 2023, mas as vendeu em março de 2024 por USD 80. Ora, o custo original da ação era USD 33,00. Assim, ao vender as ações em 2024 por USD 80, a offshore apurou um lucro de USD 47 mil que será tributado em 2025 a 15%, pagando USD 7.050 de IR.
O que vemos nessas operações é que ao antecipar a realização de lucro para 2023, o cenário 1 permite criar um lucro de USD 71 mil que somente será tributado quando Jonas receber os dividendos. Temos um diferimento que pode ser controlado por Jonas. Com a recompra e venda com prejuízo (cenário 3), a offshore de Jonas gerou um prejuízo compensável de USD 24 mil que representa USD 3.600 de economia futura em impostos. Ou seja, não apenas Jonas não pagará nada de imposto em 2024 ou 2025, como ainda poderá usar prejuízo contra lucro futuro.
Por outro lado, no cenário 2, ao não vender as ações em 2023, mas apenas em 2024, não haverá lucro de 2023 que poderá ser diferido, e tampouco prejuízo compensável em 2024.
A conclusão que fica é que pode ser uma oportunidade antecipar a realização de lucros ainda em 2023 para permitir marcar esse lucro como pré-2024 e diferi-lo indefinidamente. Se o titular acredita no ativo financeiro, poderá comprá-lo novamente ainda em 2023, garantindo um custo de aquisição maior. Se o preço do ativo cair, haverá prejuízo compensável; se ele subir, a tributação automática em 2025 somente ocorrerá sobre o que exceder o preço de recompra.
Postergação de prejuízos
Como visto, os prejuízos apurados a partir de 2024 poderão ser compensados com lucros futuros.
Assim, imagine que Mauro tenha em carteira bonds da Odebrecht que comprou por meio da sua offshore no auge da empresa em 2013 e 2014. Pagou USD 100 mil por um bond de USD 100 mil. Esses bonds estão em default e hoje têm um valor de mercado de cerca 9% do valor de face.
Se a offshore de Mauro vender esse bond em 2023, esse prejuízo será perdido e não terá qualquer efeito para Mauro.
Por outro lado, se a offshore vender esse ativo por 9% do valor de face (USD 9 mil) em janeiro de 2024, ela irá apurar um prejuízo de USD 91 mil que poderá ser compensado contra lucros futuros da offshore, o que representa uma economia futura de USD 13.650 (15% de USD 91 mil) em imposto de renda.
Ou seja, a postergação na realização de prejuízos para 2024 pode gerar ganhos tributários em anos futuros.
Reorganização de empresas offshore
Por fim, valem alguns comentários àqueles que possuem mais de uma empresa offshore. Até 31.12.2023, a reorganização de empresas no exterior, incluindo a capitalização das offshore com qualquer espécie de ativo, pode ser feita com base no valor histórico dos ativos transferidos, qual seja, aquele informado na Declaração de Ajuste Anual de IR (DAA), sem a necessidade de a operação ser feita por valor de mercado com o respectivo reconhecimento de ganho de capital.
É o que consta do Art. 23 da Lei nº 9.249/1995, que diz:
Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.
§ 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.
§ 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.
Com base nesse dispositivo, é possível capitalizar empresas offshore com ações de outras empresas offshore ou ativos financeiros sem a necessidade de reconhecimento de ganho de capital e pagamento de imposto de renda.
O Art. 8, § 4º do PL 4173 muda essa regra e determina que a transferência de bens e direitos por pessoa física a uma empresa offshore localizada em paraíso fiscal ou sob regime fiscal privilegiado deve ser feita a valor de mercado, com a tributação de 15% sobre o ganho auferido. Essa regra vale a partir de 01.01.2024. Vejamos a sua redação:
Art. 8º (…)
§ 4º Os bens e direitos transferidos a qualquer título pela pessoa física ou por entidade controlada detida pela pessoa física sob o regime tributário previsto neste artigo para outra entidade controlada enquadrada nas hipóteses previstas no § 5º do art. 5º desta Lei em relação à qual a opção de que trata este artigo não tenha sido exercida deverão ser avaliados a valor de mercado no momento da transferência, e o valor da diferença apurada em relação ao seu custo de aquisição será considerado renda da pessoa física sujeito à tributação pelo IRPF no momento da transferência, hipótese em que será aplicada a alíquota prevista na legislação em conformidade com a natureza da renda.
As transferências em questão podem ser feitas tanto no âmbito de uma reorganização (incorporação entre duas offshore irmãs), quanto na conferência de ativos (financeiros ou não) ao capital de uma offshore.
Pelo texto acima transcrito, não apenas será necessário fazer essa transferência a valor de mercado, como o IR de 15% deverá ser pago no momento da transferência, não sendo admitido o pagamento na DAA.
E mais, o texto fala em transferências “a qualquer título”, podendo incluir capitalizações, reorganizações, ou qualquer outra operação.
Essa regra vale a partir de 2024, o que vale dizer que as transferências ocorridas ainda em 2023 podem ser feitas pelo valor dos ativos informado na DAA sem a necessidade de valoração a mercado e pagamento de imposto. Assim, aquele que detém mais de uma estrutura no exterior e pretende simplificá-la, a oportunidade de reorganização sem o pagamento de imposto se encerra em 31.12.2023. ainda dá tempo, mas a contagem regressiva já começou.
Da mesma forma, aqueles que pretendem capitalizar ativos financeiros em empresa offshore deverão fazê-lo até o final do ano para evitar o reconhecimento do ganho de capital e o pagamento do IR sobre esse ganho a partir de 2024.
Comentários finais
Ainda que a notícia de aprovação do PL 4173 possa ser uma notícia ruim para quem possui offshore, é possível que ainda haja algumas oportunidades para minimizar o impacto ou tirar algumas vantagens da própria lei.
Vale a pena olhar a estrutura e o portifólio, consultar seu assessor financeiro, analisar os possíveis impactos em operações dessa natureza, e avaliar as oportunidades.
Mas não se esqueça: o tempo se esgotando. Tic tac tic tac …
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor do Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.
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