Por Vanessa Chincoli
Um dos temas mais polêmicos do direito das famílias e das sucessões diz respeito à condição do cônjuge como herdeiro necessário (herdeiro obrigatório), inclusive quando o regime de bens escolhido é o da regime da separação total de bens.
As pessoas que se casam – ou vivem em união estável – e que desejam a incomunicabilidade do patrimônio individual formado antes e depois do enlace com os seus parceiros afetivos, tanto em vida como após a morte, habitualmente, adotam o regime da separação total de bens, convencionando, por meio de pacto antenupcial ou contrato de convivência, que os seus patrimônios não se comunicarão.
Existe, porém, um entendimento geral – e equivocado – de que a escolha do regime da separação total de bens “valeria” tanto para a vida como para a morte. Em outras palavras, pensa-se que, no regime da separação total de bens, a garantia a incomunicabilidade dos bens no caso de divórcio e de dissolução da união estável, vale também para a sucessão, de modo que o cônjuge ou companheiro sobrevivente nada teria a herdar quando do falecimento do parceiro.
Todavia, essa é uma compreensão equivocada do tema, um mito. A incomunicabilidade dos bens nesse regime vale apenas em vida, ou seja, nas hipóteses de divórcio e dissolução de união estável, não valendo para a sucessão.
Isso por que o Código Civil brasileiro determina que o cônjuge e o companheiro são herdeiros (art. 1.829 do Código Civil), concorrendo na herança do falecido junto com os seus descendentes (como filhos e netos) e os ascendentes (pais e avós), inclusive, afastando os irmãos do falecido do recebimento da herança quando esse apenas tiver deixado irmãos, tios, primos e sobrinhos (nessa hipótese, o cônjuge e o companheiro recolhem a totalidade da herança).
Em que pese ainda haver discussão jurídica a respeito do fato de os companheiros serem herdeiros necessários (obrigatórios) ou não, o Código Civil é de clareza solar em relação a tal obrigatoriedade no que tange ao cônjuge na divisão da herança (vide art. 1.845 do Código Civil), inclusive, nos regimes não comunheiros (como o da separação total de bens).
Isso porque entende o legislador que as regras que valem para o direito de família dizem respeito aos casos de divórcio (e de dissolução de união estável), não sendo aplicáveis ao direito sucessório, esse que possui regras específicas que se aplicam nos casos de falecimento (como as regras previstas nos artigos supracitados).
Nessa toada, entende também o legislador que o cônjuge deve herdar sobre os bens exclusivos (particulares) do falecido, não herdando sobre os bens comuns, ou seja, aqueles bens que o casal adquiriu na constância da união, pois sobre esses bens ele já teria metade, ou seja, sua meação.
E, justamente, nesse ponto temos um problema sério para aqueles que não gostariam que os patrimônios se comunicassem e que, por isso, escolheram o regime da separação total de bens: nesse regime, só existem bens exclusivos, não existindo bens comuns. Logo, o cônjuge ou companheiro herdam sobre toda a massa patrimonial do falecido quando se trata desse regime de bens. Atrelado a esse fato, temos, ainda, a proibição da renúncia antecipada dos direitos sucessórios, ou seja, os cônjuges ou companheiros não podem, em vida, renunciar reciprocamente à herança do outro, como é permitido em Portugal, por exemplo.
Dessa forma, a adoção do regime da separação de bens com finalidade sucessória não possui nenhum efeito em nosso país, diante da nossa atual legislação. Daí a necessidade do planejamento sucessório: por meio de um planejamento eficiente é possível a utilização de instrumentos legais que farão valer, ao máximo, a vontade expressa pelo cônjuge que não deseja a comunicação patrimonial por desejar, por exemplo, que os seus bens sejam transmitidos somente aos seus filhos.
Assim, nesses casos, a única solução possível é a realização de um planejamento sucessório que deverá incluir a realização de um testamento, no qual o titular do patrimônio – portanto, o testador – poderá destinar a metade de todo o seu patrimônio para os seus filhos (quota do patrimônio denominado de parcela disponível), fazendo com que o cônjuge ou companheiro herde somente uma fração sobre a outra metade (denominada de parcela indisponível do patrimônio).
Essa disposição diminui drasticamente o quinhão que o cônjuge ou companheiro iriam herdar caso o testamento não fosse realizado. Ademais, um planejador sucessório experiente poderá definir cláusulas no testamento em que o cônjuge ou companheiro sobrevivente se sintam moralmente incentivados a renunciar a herança em favor dos descendentes do falecido – uma vez que a renúncia, após o falecimento, é permitida em nosso país.
Por fim, além do testamento, doações em vida podem ser planejadas pelo profissional, bem como a formação de holdings com a posterior doação de quotas aos herdeiros.
Logo, mesmo diante da imposição posta pelo Código Civil – que transforma os cônjuges e companheiros sobreviventes em herdeiros, mesmo contra a vontade das partes – é plenamente possível reduzir, ou, até mesmo, esvaziar, o quinhão que seria herdado pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que um bom planejamento sucessório seja realizado.
Vanessa Chincoli é advogada e docente, mestre em Direito, e especializada em planejamento patrimonial e sucessório, e direito de família. É integrante do Raul Bergesch Advogados, em Porto Alegre/RS.
Bom dia!
No caso de comunhão parcial de bens, o que foi adquirido antes da união ,no caso de óbito outro tem direito.?
Sim, ele pode ter direito na qualidade de herdeiro, com relação aos bens particulares (que incluem aqueles adquiridos antes da união). Para mais conhecimento sobre o tema, conheça o nosso best-seller Planejamento Patrimonial: https://www.b18.com.br/produto/planejamento-patrimonial/.