Por Carlos Borrelli
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108), que institui o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG–IBS), além de dispor sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sobre a distribuição para os entes federativos do produto da arrecadação do IBS, e sobre o Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), e dá outras providências.
Inicialmente, registre-se que o IBS foi criado e inserido na Constituição Federal (art. 156-A e seguintes) por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, que alterou o Sistema Tributário Nacional. Esse novo tributo teve como objetivo a simplificação do complicado, complexo e burocrático sistema fiscal que vige no Brasil. O seu grande objetivo é o de simplificar esse emaranhado sistema da legislação tributária, unificando vários impostos incidentes sobre o consumo em um único tributo, tornando o sistema tributário com uma menor carga de obrigações acessórias e custos administrativos para as empresas contribuintes reduzindo, inclusive, o pesado fardo fiscal que recai sobre elas.
Além da simplificação, o IBS busca tornar o sistema tributário mais transparente e equitativo. Com um imposto sobre o valor agregado, a tributação ocorre em cada etapa da cadeia produtiva ou de prestação de serviços, garantindo uma distribuição mais justa do ônus tributário ao longo da cadeia de produção e consumo.
Outro aspecto importante do IBS é sua capacidade de promover a competitividade das empresas brasileiras. Com menos impostos e burocracia, as empresas podem se tornar mais eficientes e competitivas no mercado global.
No entanto, a implementação do IBS enfrenta desafios significativos, incluindo questões políticas e a necessidade de coordenação entre os diferentes níveis de governo no Brasil. Além disso, é importante garantir que a transição para o IBS seja feita de forma gradual e cuidadosa, para minimizar os impactos negativos sobre a economia e a população mais vulnerável.
Além de simplificar, buscou o legislador, ao criar o IBS, tornar o sistema tributário mais simples, transparente e dotado de justiça tributária. Aliás, é o que prevê o parágrafo 3º, do art. 145 da Constituição Federal, ao determinar que o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.
A finalidade do presente artigo é a de fazer algumas considerações acerca na incidência do ITCMD sobre doações entre pessoas vinculadas, tendo-se como base o disposto no parágrafo 5º, do art. 160 do referido PLP 108 à luz da norma constitucional acima apontada e a sua correlação com o princípio constitucional da justiça tributária. Serve, ainda, de alerta aos operadores do planejamento tributário quanto a essas manobras.
Inicialmente, é preciso considerar que sempre estiveram inseridos na base do Sistema Tributário Nacional outros princípios tributários tais como o da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), o da isonomia (art. 150, III) e o do não confisco (art. 150, IV), dizendo-se o mesmo no que tange ao princípio da transparência.
Conforme ensina Tathiane Piscitelli[1], “há dois valores centrais que permeiam o Sistema Tributário Nacional: certeza e justiça na tributação. Na medida em que os tributos são fonte de financiamento estatal, a obtenção de recursos não pode se dar apartada dos ditames do Estado Democrático de Direito. A busca pela realização desses dois valores, via observância dos princípios constitucionais, reforça essa postura.”
O princípio constitucional da justiça tributária é um dos pilares fundamentais do sistema tributário de um país e está relacionado à ideia de equidade e proporcionalidade na imposição e arrecadação de tributos. Esse princípio busca garantir que a carga tributária seja distribuída de forma justa e razoável entre os contribuintes, levando em consideração suas capacidades contributivas e as finalidades do sistema tributário.
E a sua finalidade é a de garantir que o sistema tributário de um país seja justo, equitativo e eficiente. Esse princípio busca assegurar que a carga tributária seja distribuída de forma adequada entre os contribuintes, levando em consideração suas capacidades contributivas e as finalidades do sistema tributário.
Portanto, a contribuição de todos para o sistema tributário é essencial para promover a justiça, a equidade, a solidariedade social e o bem comum. É por meio dessa contribuição que o Estado pode cumprir suas funções básicas e oferecer serviços públicos de qualidade para toda a população.
Postas estas premissas, caberá, agora, algumas considerações e justificativas, sem deixar de registrar que as leis do ITCMD dos Estados podem incluir disposições específicas sobre a tributação de doações entre pessoas vinculadas por atos societários. Essas disposições podem variar de um Estado para outro e podem ser modificadas ao longo do tempo por meio de alterações na legislação tributária estadual.
Geralmente, as leis do ITCMD definem as regras para tributar doações entre pessoas físicas e jurídicas, incluindo aquelas vinculadas por relações societárias. Por isso, é importante consultar a legislação específica do estado em questão para entender as disposições aplicáveis ao ITCMD e às doações entre partes vinculadas por atos societários.
Seguindo ao que nos interessa, o art. 160 do citado PLP, o ITCMD incidirá sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos, seja por ocorrência do óbito do seu titular, ou por via da doação.
O seu parágrafo 5º estabelece que se considera como doações, para fins da incidência do ITCMD, duas situações específicas. São elas: a) os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados; b) II – o perdão de dívida por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação.
Quanto à primeira hipótese de incidência, visa a norma complementar em refrear e punir práticas de evasão fiscal, dentre as quais enquadram-se os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócios ou acionistas, praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação.
Inclui-se, também, a distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados, podem estar sujeitos ao ITCMD, dependendo da legislação específica de cada Estado.
Isso tudo, diante das considerações iniciais já expostas, visou o legislador a garantir (parece óbvio), a exemplo, a equidade e a justiça tributária, garantindo que todos os contribuintes sejam tratados de forma igualitária perante a lei. Ao punir atos que resultem em benefícios desproporcionais, sem justificativa negocial, a lei busca evitar situações em que alguns contribuintes possam se beneficiar de forma injusta em detrimento de outros.
Também, priorizou-se a prevenção da evasão fiscal, diante do que já se expôs. A punição de atos societários que resultem em benefícios desproporcionais pode ajudar a prevenir a evasão fiscal e a elisão tributária, inclusive, ou seja, práticas que buscam evitar o pagamento de impostos de forma ilegal ou abusiva. Ao estabelecer penalidades para esses atos, a lei desestimula comportamentos que possam levar à sonegação de tributos.
Mencione-se, de igual modo, a tão importante proteção do interesse público, objetivando a norma jurídica a garantia de uma arrecadação adequada capa de financiar as atividades e políticas públicas por parte do Estado, tão essenciais para a sociedade, contribuindo para a sua saúde financeira, em busca do bem comum.
Ao se estabelecer critérios claros e objetivos para a tributação de atos societários, a lei promove a transparência e a legalidade no sistema tributário com a punição atos societários que resultem em benefícios desproporcionais, sem justificativa negocial, em relação ao ITCMD, promovendo a equidade, prevenindo a evasão fiscal, protegendo o interesse público e promovendo a transparência e legalidade no sistema tributário.
Concluindo, o profissional que atua na área do planejamento patrimonial sucessório precisará ter cuidado em relação às situações descritas no parágrafo 5º, do art. 160 do PLP 108, mormente quando praticada as doações sem o devido fim negocial capaz de ser comprovado, em razão do enorme risco de exposição a questionamentos fiscais, podendo a autoridade fazendário interpretá-los como tentativa de evasão fiscal, resultando em pesadas penalidades, inclusive com a incidência de juros, além de discussões judiciais por parte de sócios ou acionistas que se sentirem lesados.
Isso sem contar com a possibilidade de haver má reputação da empresa e sócios perante o mercado, clientes e outras partes interessadas. Portanto, é essencial que qualquer planejamento tributário relacionado a atos societários que resultem em benefícios desproporcionais seja realizado com cautela, transparência e estrita observância das normas legais e fiscais aplicáveis
[1] Tathiane Piscitelli. — 3. ed. — São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. 6 Mb; ePub 3. ed. em e-book baseada na 3. ed. impressa.
Carlos Borrelli é advogado especializado em planejamento sucessório e direito tributário, e sócio-fundador do Carlos Borrelli Advogados Associados, com sede em Curitiba/PR.
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