Por Danielle Santos
O reconhecimento da união estável como entidade familiar recebeu sua proteção jurídica com o art. 226, §3º da Constituição Federal de 1988. Antes disso, o termo usado para as uniões que eram consideradas “ilegítimas” recebia a denominação de “concubinato”, pois naquela época não havia amparo legal previsto em lei que regulamentasse as relações de comunhão e de afetos conjugais.
No concubinato os direitos patrimoniais do concubino somente eram reconhecidos mediante comprovação do esforço comum na constância da relação para, então, ser promovida a devida partilha de bens ou a sua devolução com juros e correção monetária.
A compreensão da Constituição Federal ao pluralismo familiar propôs ao nosso sistema brasileiro que o reconhecimento da entidade familiar não fosse somente pelo casamento.
Ainda que anteriormente as relações conjugais que constituíssem famílias eram sociedade de fato, no direito de família a união estável não era reconhecida como entidade familiar, sendo tratada na seara do direito das obrigações e direito comercial. Para resolver os litígios e prevenir o enriquecimento ilícito das relações de sociedade de fato, o Supremo Tribunal Federal editou duas Súmulas nº 380 e 382, protegendo os direitos nas relações de fato entre homem e mulher.
Em 1994, foi sancionada a Lei nº 8.971, instituindo o direito dos companheiros à alimentos e à sucessão. Em 1996, mais alterações foram introduzidas pela Lei nº 9.278/96, cujo art.1º estabelecia que “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, exigindo que a união estável tenha como condição a convivência duradoura, pública e contínua.”
Observe-se, no entanto, que nem Constituição Federal, e tampouco a lei e o Código Civil, tratavam das relações de pessoas do mesmo sexo (homoafetivas). Mas nem por isso essas relações ficaram desprotegidas, pois receberam a proteção jurídica da união estável ao serem reconhecidas como entidade familiar, conforme o julgamento da ADPF 132 e ADI 4277, com a aplicação analógica do art.1.723 do Código Civil.
A união estável poderá ser estabelecida quando a pessoa casada estiver separada de fato, mesmo que não tenha formalizado o término da relação anterior.
Vivemos no mundo globalizado onde a maioria das pessoas tem amplo acesso à internet, a rede de computadores, aplicativos de encontros e todas as plataformas digitais, mas o que chama a atenção, seja por questões morais ou culturais, as pessoas que estão em um relacionamento, não se preocupam em formalizar a sua união estável.
Considero pertinente comentar que os tribunais brasileiros vêm enfrentando situações emblemáticas para julgar as demandas judiciais de reconhecimento e dissolução de uniões estáveis.
A linha é muito tênue em saber ao certo qual o determinado momento em que a relação conjugal se iniciou e qual o momento que tornou-se uma família.
O art.1.725 do Código Civil permite a realização do contrato escrito particular sendo irrelevantes seguir as formalidades. Mas, para evitar litígios e disputas no Judiciário, é importante que ocorra o registro deste contrato no cartório de notas com todos dispositivos pertinentes à união estável, o regime de bens, o marco inicial da relação e os bens anteriores a união estável. Essas precauções dificultarão alegações de vício de consentimento por um dos companheiros.
Caso os companheiros não façam o contrato de união estável e não o registrem no cartório notas, ocorrendo a dissolução litigiosa, o Judiciário irá julgar a demanda analisando as provas documentais e testemunhais produzidas pelas partes.
Embora não haja prazo para o reconhecimento de união estável, o Superior Tribunal Justiça tem entendido que a coabitação por pequeno lapso temporal na casa do namorado, mesmo precedido pelo tempo de 2 anos de namoro, não caracteriza união estável, mas sim namoro qualificado, não sendo assegurado nenhum direito patrimonial, exceto se houver comprovação de esforço comum na constituição do patrimônio.
Em 2017, houve mudanças no sistema brasileiro com o julgamento dos Recursos Extraordinários 646.721-RS e 878.694-MG, nos quais foi declarada a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, que tratava do regime sucessório aplicado à união estável. O citado art. 1790 estabelecia o seguinte:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Entendeu o STF ser inconstitucional a distinção entre os direitos sucessórios do companheiro e do cônjuge, estabelecendo que o companheiro sobrevivente terá direito de concorrer a herança equiparados aos direitos do cônjuge, na forma do art. 1829 do Código Civil. A tese defendida por alguns ministros do STF neste julgamento teve como fundamento a desconformidade do art. 1790 do Código Civil com o art. 226 §3º da Constituição Federal, afirmando prevalecer a obediência aos princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana e segurança jurídica.
Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o companheiro sobrevivente estava recebendo o tratamento discriminatório e preconceituoso, reconhecendo expressamente que, se a união estável entre homem e mulher é entidade familiar com status de família, não poderia o legislador infraconstitucional dar tratamento desigual no regime sucessório aplicável ao casamento e à união estável.
Brilhantemente, o ministro Marco Aurélio teve seu voto contrário aos recursos extraordinários, posicionando no sentido de “prevalecer a ótica direcionada da equiparação dos institutos sendo possível a ocorrência de efeitos perversos e contrários à proteção da união estável e aos casais conviventes”.
O voto em desfavor da equiparação do companheiro do Ministro Ricardo Lewandowski afirmou que “a inconstitucionalidade foi um grande desacerto jurídico do STF por estar deteriorando com o regime sucessório próprio da união estável ao determinar as regras sucessórias do casamento”.
Suponhamos que houve uma união estável e não foi formalizada em contrato ou escritura pública. Um dos companheiros falece deixando dessa união um filho. O companheiro sobrevivente irá ter direito à metade dos bens que foram adquiridos onerosamente na constância da união e dividirá com este filho os bens adquiridos anteriormente a união estável, mesmo aqueles bens recebidos por herança ou doação pelo falecido.
As condições de igualdade deste companheiro sobrevivente alcançarão a do cônjuge, conforme o art.1829 do Código Civil sendo eleito, neste caso, o regime de comunhão parcial de bens.
Diante da decisão do STF, entendo que a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil trilhou para o caminho da injustiça e desproporcionalidade diante da realidade dos relacionamentos de hoje em dia. Ou seja, o companheiro que conviveu com o falecido por um determinado tempo irá herdar o percentual de todo o patrimônio em igualdade com o filho do de cujus e os bens particulares.
No regime da comunhão parcial de bens todos os bens adquiridos na constância da relação à título oneroso se comunicam, claro que há exceções como os bens adquiridos por doação e sub-rogação, os bens adquiridos anteriormente a união estável ou casamento, os bens de uso pessoais, livros e os instrumentos de profissão.
O que as pessoas não têm o conhecimento é que há flexibilidade na legislação civil ao tratar de direitos patrimoniais privados das relações conjugais no qual é permitido no casamento e na convivência em união estável a escolha do regime misto.
Também em nosso ordenamento jurídico é permitido a mudança de regime de bens do casamento devendo o pedido ser feito de comum acordo pelos cônjuges, apresentar relevâncias para apreciação do pedido pelo Judiciário e não poderá atingir terceiros em relações patrimoniais.
Na união estável por não haver todas as formalidades, não é preciso autorização judicial para estabelecer em contrato a mudança do regime de bens havendo apenas a concordância dos companheiros.
Em que pese às divergências sobre o assunto abordado, em particular, discordo da nossa Suprema Corte quanto a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil por entender que o casamento não se equipara a união estável, pois, se observarmos em detalhe, cada instituto tem suas disposições distintas na lei civil que são resguardadas pela Constituição Federal.
Danielle Santos, advogada especializada em Direito de Família e Sucessões em Recife/PE.
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