Por Nino Reppucci
Conhecer sobre contabilidade e administração é fundamental para um engenheiro que deseje gerir uma construtora.
Isso é óbvio, é claro. Se quisermos ampliar o raciocínio, chegaremos à conclusão de que contabilidade e administração são ciências utilíssimas para a vida. Uau! Bela filosofia.
O objetivo deste artigo não é apenas disseminar alguns conceitos, mas também contribuir para que esses conceitos ajudem os leitores a avaliar a realidade que lhes cabe viver e, dessa forma, tomar as melhores decisões. E essas decisões podem ajudar a ganhar dinheiro ou evitar perdê-lo.
Vou contar-lhes uma pequena história.
De certo que muitos leitores, mais velhos, conhecem ou já ouviram falar dela. Há uns 60 anos atrás surgiu no interior do Brasil uma construtora. Essa construtora tinha algumas características importantes: ela incorporava e construía imóveis populares, e possibilitava aos compradores facilidades muito generosas para fazer os pagamentos (aceitava moto, carro, qualquer coisa para ajudar os clientes).
Com essa estratégia, a empresa cresceu e chegou a ter empreendimentos em todo o território nacional.
Mas seus gestores, no melhor dos casos, não conheciam as melhores práticas contábeis e de administração, e no final da década de 90 do século passado, a dita empresa acabou falindo. As dívidas da construtora superavam os 2 bilhões de reais.
Foi uma tragédia, embora muitos naquela época diziam que era uma tragédia anunciada.
No entanto, havia algo ainda mais sinistro.
Mais de 40 mil pessoas ficaram sem o imóvel que arduamente vinham pagando. Isso mesmo: 40 mil pessoas perderam 40 mil apartamentos. E por isso o título deste capítulo: Quando a compra de um imóvel passa de sonho a pesadelo.
Mas não é sobre tragédia que trata esse artigo. Em essência, o que se quer é mostrar uma alternativa que diminua a possibilidade de que algo semelhante ocorra novamente.
Em 2004, foi aprovada a Lei nº 10.931/2004 que instituiu o Regime de Afetação. A ideia básica desse Regime é separar cada empreendimento da Incorporadora de tal maneira que eles não se misturem. Como assim?
Imaginemos que uma Incorporadora tenha dez empreendimentos imobiliários e que não adote o Regime de Afetação. Nesta situação, o “caixa” e a “contabilidade” dos dez empreendimentos estão todos misturados. Neste caso, pode acontecer que o “dinheiro” de um empreendimento que esteja dando lucro seja usado para cobrir o “buraco” de outro empreendimento que esteja no prejuízo.
Imaginemos, então, que a maioria dos empreendimentos estejam dando prejuízo e apenas dois deles estejam sendo bem geridos. No final das contas, a incorporadora pode não aguentar e acabar falindo, arrastando não somente os empreendimentos que estavam dando prejuízo, como também os empreendimentos lucrativos
Recontando essa história de outra forma, imaginemos que a incorporadora tenha instituído o Regime de Afetação em cada um dos dez empreendimentos. Se oito dos dez empreendimentos apresentarem problemas, esses problemas não “afetam” os outros dois que estão dando lucro.
Se como consequência de tantos problemas a incorporadora quebrar, os investidores (compradores) de cada um dos empreendimentos poderão se juntar e contratar outra construtora, ou se reorganizar de alguma maneira, para finalizá-los.
Assim, temos que, uma vez instituído o Regime de Afetação, cada empreendimento “afetado” torna-se independente das “contas” da incorporadora em relação a outros ativos e empreendimentos que ela possua.
O que é muito importante dizer é que o Regime de Afetação não é obrigatório, ou seja, ele depende da vontade da incorporadora e deve estar formalizado nos documentos da incorporação e na matrícula do imóvel, ou imóveis, envolvidos naquele empreendimento específico. Além disso, cada empreendimento afetado deve ter uma conta bancária individual que não se comunica com a conta bancária geral da Incorporadora. Isso quer dizer que no caso de falência da incorporadora a conta bancária do empreendimento não é “afetada”.
Por outro lado, se o empreendimento não estiver afetado, os investidores correm mais risco, podendo vir a perder todo o valor investido na aquisição do imóvel.
Para finalizar, o nome da incorporadora que quebrou e deixou milhares de pessoas a ver navio se chamava ENCOL. Se você quiser diminuir as chances de sofrer com uma “nova ENCOL”, somente invista em empreendimentos que estejam devidamente registrados sob o Regime de Patrimônio de Afetação e, para isso, se assegure dessa afetação quando da negociação para aquisição do imóvel.
Nino Reppucci é engenheiro civil com MBA em finanças corporativas.