Por Caco Santos CFP®
Todos os dias tomamos decisões que, de alguma forma, envolvem dinheiro. Pode ser um investimento da sobra do salário, a compra de um automóvel, uma ida ao supermercado mais barato ou ao mais conveniente, a compra de um pão de queijo. Talvez sobre para comprar um presente ou aplicar em uma previdência.
Pensando racionalmente, o ideal seria levantar todos os dados e fatos sobre essa decisão: preço, taxa de retorno, durabilidade do produto, prazo do contrato. Fazer comparações, tabelas, talvez gráficos. Buscar resenhas e opiniões na internet e usar toda a lógica para uma decisão.
Sejamos honestos, quantas vezes fazemos tudo isso? A resposta é: pouquíssimas! A ciência e as pesquisas vêm demonstrando que as milhares de decisões que tomamos diariamente, inclusive financeiras, são, na sua grande maioria, tomadas de forma inconsciente.
O ganhador do prêmio Nobel de economia Daniel Kahneman explica isso ao dividir o funcionamento de nossa mente em dois “sistemas”, que chama de Sistema 1 e Sistema 2 (ou S1 e S2).[1]
O S1 é rápido. Intuitivo, até. Usa atalhos mentais e elementos já conhecidos do nosso cérebro para que não gastemos tempo ou energia em escolhas banais. É o sistema que domina nossos hábitos. Apesar de você provavelmente não pensar nisso, escovar os dentes toda manhã é uma decisão, assim como ligar seu computador para trabalhar ou olhar mensagens no seu celular. Ficou tão automático que muitas vezes nem percebemos que estamos fazendo essas atividades (e que escolhemos, de uma forma ou de outra, fazê-las).
O S2, por sua vez, é racional e lógico. Quando ativado, exige atenção, energia e dedicação. É o que acessamos para fazer uma proposta de trabalho a um cliente, como vamos negociar uma cláusula de contrato ou definir o destino da próxima viagem internacional. São as situações em que falamos que temos que “parar para pensar”. Até porque, não dá para fazer duas coisas bem-feitas ao mesmo tempo (apesar de ter gente que acha que pode ser multitarefa com eficiência, pesquisas comprovam que isso não funciona — mas esse assunto é tema para um outro artigo).
A mente humana vem sendo treinada nos últimos 10 mil anos para evitar gastos desnecessários de energia. O problema é que, naquela época, as questões de sobrevivência eram muito mais sobre achar comida e abrigo e fugir do tigre — assuntos que instintivamente são simples de resolver. No mínimo mais simples do que decidir sobre gastar ou poupar, investir em um fundo imobiliário ou em uma previdência. Só que a evolução da complexidade da vida tem sido exponencialmente mais rápida do que nosso cérebro. Assim, continuamos em grande medida sujeitos a decidir com base em atalhos mentais para poupar energia. Atalhos que muitas vezes podem nos colocar mais em enrascadas do que em boas situações.
Desde a década de 1970, pesquisadores da economia comportamental vêm se debruçando sobre o tema e elencando vieses e heurísticas que nos levam a tomar decisões rápidas — mas potencialmente subótimas, por não levarem em conta tudo o que deveriam. “Heurística é um procedimento simples que ajuda a encontrar respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para perguntas difíceis” (Kahneman, 2012). Por sua vez, “a utilização de heurísticas pode ocasionar vieses, ou seja, uma tendência sistemática de violar alguma forma de racionalidade teoricamente predominante. O que acontece é que os vieses acabam distorcendo, ou pelo menos limitando, a capacidade de tomarmos decisões racionais.”[2]
Elenco abaixo algumas das decisões mais comuns no nosso dia a dia. Acontecem em vários tipos de escolhas, mas exemplifico por meio do mundo financeiro, por ser minha especialidade:
– Representatividade: tendência em utilizar estereótipos para realizar julgamentos. Por exemplo: já ganhei dinheiro com fundos imobiliários, então são um bom investimento (será que sempre são? Para todo mundo?).
– Disponibilidade: julgar a frequência ou a probabilidade de um evento pela facilidade com que exemplos ocorrem em suas mentes. Imagine que sempre que vendi um carro usado, perdi dinheiro em relação ao preço que havia pagado quando comprei (por conta de depreciação natural, mor das vezes). Minha mente está programada para pensar que isso é a norma e ficará confusa de perceber que neste ano de 2021 os preços dos carros usados estão subindo!
– Ancoragem: focalizar a atenção sobre uma informação recentemente recebida e usá-la como referência para fazer uma estimativa ou tomar uma decisão. Se comprei uma ação por R$50 e agora está valendo R$30, vou esperar voltar ao preço original para vendê-la sem prejuízo (aqui também é apresentado o viés da confiança excessiva).
– Comportamento de manada: ao ver “todo mundo” comportar-se de uma determinada forma, ser compelido a imitá-los. Quando colegas de trabalho estão apostando em um bolão da mega-sena, você fica de fora?
A literatura sobre o assunto é extensa e muito interessante. Vale aprofundar-se nela se você tem interesse pelo comportamento humano, pois a mente funciona da mesma maneira em qualquer campo da vida: dinheiro, nutrição, exercícios físicos, carreira, relacionamentos e tantos outros.
Tenha consciência de que os atalhos mentais, heurísticas e vieses são ótimos para muitas circunstâncias, mas podem te pregar peças importantes e te levar a resultados ruins. Fique atento às situações em que parar para pensar (e ativar seu S2 conscientemente!) pode ser muito saudável!
Caco Santos CFP® é planejador financeiro pessoal especializado em sucessão e riscos e Líder de Equipe na GFAI.
[1] KAHNEMAN, D (2012). Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Ed Objetiva
[2] STERNBERG, R. J., & MIO, J. S. (2009). Cognitive psychology. Wadsworth Publishing Company
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