Finalmente, temos o raiar da reforma tributária (PEC 45) resplandecendo ao horizonte. Sem considerar os efeitos na carga tributária, temos um novo paradigma fiscal à frente.
No primeiro momento, foi dada mais atenção aos impostos sobre o consumo, mas não se engane, pois os tributos sobre a propriedade não foram esquecidos. E aqui podemos traçar os incipientes efeitos da reforma sobre o planejamento patrimonial e sucessório.
Como primeiro aspecto de atenção, tem-se as mudanças em relação ao ITCMD, imposto sobre heranças e doações. Em planejamento patrimonial e sucessório, este tributo é de extrema relevância, pois ora lidamos com as doações feitas aos herdeiros pelos genitores, ora lidamos com o próprio evento morte, que também gera efeitos tributários.
Atualmente, o “teto” para cobrança do imposto sobre heranças e doações é limitado a 8% sobre o patrimônio transmitido, o que também poderá será revisto mediante deliberação do Senado Federal. Mas, o que importa, nesse momento, na reforma tributária é a formalização de um conceito bem controverso: a progressividade desse imposto.
A proposta é torná-lo um imposto mais condizente à capacidade contributiva, que em resumo, escalona o recolhimento de acordo com o montante recebido. É a progressividade sendo aplicada: paga-se mais sobre quem mais recebe, a exemplo do imposto sobre a renda. Ainda que timidamente, nossa legislação já prevê a dita progressividade – Resolução nº 9/1992 do Senado Federal – cabendo aos Estados a aplicação por meio de edição de lei interna. Vários estados já aplicam a progressividade, valendo citar a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina, entre vários outros. Outros estados, como, por exemplo, São Paulo, Espírito Santo, Paraná e Minas Gerais, ainda adotam a alíquota única, sem progressividade.
Com a proposta, passarão os Estados para uma margem mais extensa de alíquotas, efetivando a progressividade. Lembrando que no contexto mundial, heranças são tributadas em alíquotas de até 60%, caso da França, e em média, 40%, nos Estados Unidos da América.
Aqui tem-se o primeiro problema: o ITCMD é classificado como um tributo real, que não guarda relação com o contribuinte em si, mas com a “coisa”, objeto da transmissão. Um bom exemplo é a transmissão de vultosa herança a herdeiro desprovido de condições financeiras, pobre na concepção mais restrita. Ora, sua capacidade de contribuição não está sendo analisada em relação à sua condição financeira, e sim à própria herança recebida.
O mesmo se aplica no que tange à doação. Pai, sabendo da penúria atual do filho, dispõe de grande volume monetário, de modo a alavancar sua vida financeira. Ora, o contribuinte, logicamente, é alguém desprovido de capacidade contributiva, pois o móvel da doação é justamente tirá-lo da situação de precariedade financeira.
Em que pesem as críticas, provavelmente teremos situações como essas num futuro não muito distante. As alíquotas progressivas ainda serão discutidas pelo Congresso Nacional, e não estão incluídas nessa primeira fase da Reforma Tributária. É um assunto que demandará muito dos nossos representantes, sensibilidade apurada para graduar alíquotas de acordo com o montante transmitido.
Outro ponto digno de nota diz respeito às heranças e doações com origem no exterior. A saber, heranças e doações, quando originadas em estado estrangeiro, estão imunes à incidência do ITCMD, sendo pacificado esse assunto pelo Supremo Tribunal Federal, posto não haver lei complementar editada, não cabendo aos Estados a cobrança da obrigação com base em leis locais.
Com a reforma, esse assunto volta à tona, e certamente será objeto de alteração. Nossa vivência em planejamento patrimonial e sucessório nos trouxe inúmeras situações análogas, em que cidadãos residentes no exterior doam a residentes em solo nacional valores, ou ainda, que falecem, deixando seu patrimônio a ser transmitido para o residente no país.
Nesse ponto, também, não há apontamento sobre as alíquotas que serão aplicadas aos valores oriundos do exterior, mas num primeiro momento, não há motivos razoáveis para haver distinção de alíquotas. Ou seja, havendo doação ou herança, seja com origem nacional ou internacional, pagar-se-á as mesmas alíquotas, aplicadas progressivamente com base no valor recebido.
Por fim, mais uma alteração merecedora de atenção: a competência estadual na cobrança do imposto causa mortis nos casos de transmissão de bens móveis, títulos e créditos. Até o presente, vigora na Constituição Federal duas situações para a cobrança de ITCMD na hipótese: ou do local onde se processa o inventário, ou onde tiver domicílio o falecido. Com a reforma, somente o domicílio do finado é considerado para fins fiscais.
Mas a questão não se limita somente aos inventários judiciais. A discussão toma maior proporção quando considerado o inventário extrajudicial, que pode ser aberto e processado pelos herdeiros em qualquer cartório de notas no território nacional. Nesses casos, hoje, o ITCMD incidente sobre bens móveis, títulos e créditos processados em inventário extrajudicial é devido ao estado em que foi lavrada a escritura de inventário e partilha, independentemente de onde residia o falecido ou seus sucessores.
Pessoa domiciliada em São Paulo, falecida em Minas Gerais, pode ter seu inventário extrajudicial lavrado em cartório localizado no Amazonas – com alíquota de ITCMD mais branda – para perfectibilizar a transmissão destes tipos de bens, o que dentro de pouco tempo não mais se poderá.
Portanto, se você está em dúvida sobre como se planejar em relação à sucessão de seus bens, o momento é mais que propício, pois todos os gastos envolvidos atualmente podem aumentar exponencialmente no futuro próximo.
Artur Francisco da Silva é advogado do departamento de wealth planning e tax do BLS Advogados, em São Paulo.
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