Por David Roberto R. Soares da Silva
Relativamente recente e pouco conhecido, o regime de participação final nos aquestos é um regime de bens que oferece algumas possibilidades interessantes relacionadas com a gestão e proteção do patrimônio pessoal
Esse regime foi criado pelo Código Civil de 2002[1] e estabelece que cada cônjuge mantém patrimônio próprio comunicando-se tão somente os bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, durante o casamento. Neste ponto, trata-se de um regime idêntico ao da comunhão parcial de bens, já bem conhecido de todos. Em caso de divórcio, deverão ser partilhados apenas os bens adquiridos durante o casamento, excluindo-se aqueles que já pertenciam exclusivamente a cada um dos cônjuges ou recebidos por doação ou herança. Aqui também há identidade com a comunhão parcial de bens.
Mas as semelhanças param por aí.
Uma peculiaridade entre este regime e a comunhão parcial de bens reside no tratamento dado às dívidas. Na participação final nos aquestos as dívidas contraídas por um dos cônjuges após o casamento não se comunicam, salvo se reverterem em favor do outro. É o que dispõe o Art. 1.677 do Código Civil:
“Art. 1.677. Pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro.”
Outra distinção, também relacionada com dívidas, diz respeito ao pagamento de dívida de um cônjuge com o patrimônio próprio do outro. O cônjuge que pagou a dívida do outro terá direito à restituição do valor atualizado, a ser descontado da meação que couber ao outro na dissolução do casamento. Ou seja, há um acerto de contas por ocasião do divórcio com relação às dívidas de um cônjuge que foram quitadas com recursos do outro. Esse acerto é feito com base nos bens comuns.
Outro aspecto pouco comentado deste regime, mas importante na administração do patrimônio, diz respeito à outorga conjugal, que é a autorização exigida de um cônjuge para que outro pratique certos atos relacionados com o seu patrimônio particular.
O art. 1.647 do Código Civil estabelece a exigência a outorga conjugal nos seguintes termos:
“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III – prestar fiança ou aval;
IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.
Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.“
A outorga conjugal não deve ser confundida com a participação no processo de venda quando ambos os cônjuges são proprietários. Nesse caso, não há outorga conjugal, mas um consenso de duas partes sobre a venda de um bem que lhe é comum.
A outorga conjugal nada mais é do que a autorização dada por um cônjuge para que o outro venda um bem que lhe é particular. Exemplificando: Joel e Beatriz são casados sob o regime da comunhão parcial de bens, tendo Beatriz adquirido um apartamento quando ainda era solteira. Esse apartamento é um bem particular de Beatriz e não entrará na partilha em caso de divórcio. No entanto, se Beatriz resolver vender esse apartamento, Joel deverá anuir (concordar) mediante sua outorga conjugal na escritura de venda do imóvel, ainda que ele não seja coproprietário desse bem. Sem essa anuência, o negócio é nulo.
O único regime em que a outorga conjugal é expressamente dispensada é o da separação absoluta de bem. No entanto, no regime da participação final nos aquestos, a lei permite que as partes convencionem a dispensa da outorga por meio de pacto antenupcial. É o que diz o Art. 1.656 do Código Civil:
Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
No exemplo acima, Beatriz poderia vender seu apartamento (bem particular) sem a outorga conjugal de Joel, desde que adotassem o regime da participação final de aquestos e seu pacto antenupcial previsse a livre disposição de bens imóveis particulares.
Assim, embora semelhante à comunhão parcial de bens, o regime da participação final nos aquestos possui algumas vantagens, especialmente quanto à administração do patrimônio imobiliário particular e a responsabilidade por dívidas.
Embora ainda muito pouco utilizado, este regime é uma ferramenta interessante na administração do patrimônio particular e na proteção do patrimônio familiar, limitando a responsabilidade por dívida contraída por um dos cônjuges, como por exemplo, em sua atividade profissional ou empresarial. Isso se torna ainda mais relevante quando o casal possui filhos, pois ao menos parte do patrimônio do casal fica protegida de dívidas, podendo garantir o sustento e manutenção dos filhos e da família.
Por fim, vale reiterar que o regime da participação final nos aquestos não vale apenas para o casamento, sendo possível de ser adotado por aqueles que optem pela união estável.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
[1] Código Civil, Art. 1.672.
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Interessante esse regime que eu não conhecia. Se eu me casar, então, meu marido não poderá proibir de eu vender um imóvel que meu pai queira me doar?
Sim, é isso mesmo. Mas, essa possibilidade de vender seu a outorga conjugal deve estar expressa no pacto antenupcial.