No Brasil, o casamento gera direitos sucessórios aos cônjuges, independentemente do regime adotado, exceto na comunhão universal de bens. No entanto, situações podem ocorrer em que o casal ainda permanece casado no papel, mas encontra-se separado de fato, levando vidas separadas.
Em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que o direito sucessório do cônjuge cessa quando ocorre a separação de fato do casal.
Vale esclarecer, de início, que a separação de fato é a livre decisão dos cônjuges de encerrar a sociedade conjugal, porém, sem recorrer aos meios legais por meio do divórcio judicial ou extrajudicial. Em outras palavras, é a típica situação em que as pessoas estão, na prática, já estão separadas, mas ainda estão oficialmente casadas no “papel”.
A decisão interessantíssima, proferida pela Corte, flexibiliza o que dispõe o artigo 1.830 do Código Civil, que diz:
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
De acordo com esse artigo, se um casal está separado de fato há menos de dois anos, e caso um deles venha a óbito, o cônjuge sobrevivente – ora separado de fato –, deverá participar da sucessão do de cujus.
Por sua vez, partindo da premissa posta, o TJSP entendeu de forma diversa.
No caso, um casal de idosos ingressou com ação judicial de abertura de inventário e partilha, em face do falecimento do filho, que estava separado de fato há oito meses, contados da data de sua morte.
Nos autos do inventário, o juízo de primeiro grau determinou a inclusão do cônjuge sobrevivente, em razão da separação de fato ter ocorrido há menos de dois anos, com base no Art. 1830 do Código Civil. Inconformados, os herdeiros – pais do falecido – interpuseram recurso para afastar o reconhecimento do direito sucessório em face da “ex nora”.
Segundo o TJSP, o direito sucessório cessa no momento da separação de fato do casal. Isto porque, cada um, passa a formar patrimônio distinto, após a separação.
Vale transcrever trechos do acordão:
“Com efeito, embora a literalidade do artigo 1.830 do Código Civil permita ao cônjuge supérstite separado de fato há menos de dois anos participar da sucessão do outro, a própria doutrina e jurisprudência vem reconhecendo que o direito sucessório cessa no momento da separação de fato”.
Nesta senda, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que uma vez cessada a vida em comum, inexistem interesses recíprocos, deixando de prevalecer a presunção de colaboração, comunhão e afetividade recíprocas entre os cônjuges”. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2020437-62.2022.8.26.0000, julgamento em 25.02.2022.
Nessa seara, concordamos com a decisão da Corte, vez que, com a separação de fato, os laços concretos e os esforços comum do casal já não mais existem mais, sendo incoerente a inclusão do ex-cônjuge na linha sucessória do falecido.
Há de se ressaltar que o tema poderá ser levado aos tribunais superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal –, os quais darão a palavra final sobre o assunto, dado que possui repercussões patrimoniais importantes na esfera civil de muitos casais.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do BLS Advogados, em São Paulo.
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