A doação de pai para filho, via de regra, é considerada adiantamento da herança, sendo uma antecipação daquilo que seria legítimo ao descendente, quando da morte do doador.
Nesse sentido, a nossa legislação permite a doação de ascendente para descendente livremente. Porém, tal ato deve ser informado no inventário do falecido – pai doador –, com o intuito de igualar o quinhão hereditário de todos os descendentes.
Assim, é denominado colação o ato pelo qual o herdeiro informa, no processo de inventário judicial ou extrajudicial, os bens que recebeu em vida, a título de doação, de seu ascendente (autor da herança).
Sobre tal instituto, o Art. 2002 do Código Civil dispõe:
“Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.”
Desse modo, a colação visa a que todos os herdeiros recebam patrimônio de igual valor, no final da sucessão hereditária.
Assim, para entendermos melhor o exemplo abaixo, é importante ressaltarmos que o patrimônio de uma pessoa é dividido em duas partes iguais, denominadas parte legítima e parte disponível.
A legítima é a parte da herança que pertence aos herdeiros necessários, ou seja, 50% do patrimônio do falecido será necessariamente destinado aos seus herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge, conforme o estado civil e regime de bens da pessoa). Trata-se da parte “intocável” do patrimônio de uma pessoa.
Já os 50% restantes do patrimônio, denominada parte disponível, são a parcela da herança que pode ser objeto de livre disposição, ou seja, pode o titular do patrimônio destinar livremente tal parte, para quem desejar a título gratuito (ex., doação).
Agora imaginemos que Pedro teve dois filhos e tem dois imóveis de mesmo valor. Em vida, Pedro doou para seu filho 1, um dos imóveis e veio a falecer. Nesse caso, então, deverá o filho 1 trazer o bem que recebeu a título de doação, para colação no inventário, para igualar sua porção da legítima. Dessa forma, o outro imóvel irá apenas para o filho 2, por sucessão hereditária, uma vez que o primeiro imóvel doado já foi antecipado ao primeiro filho, sendo considerado como adiantamento de herança.
A ideia é que todos os filhos tenham recebido patrimônio de valor igual, evitando qualquer desvantagem e ilegalidade de um herdeiro sobre o outro.
Entretanto, a regra de que a doação de ascendente para descendente deve ser levada à colação no inventário não é, por sua vez, absoluta.
Isso ocorre quando, no contrato de doação, está expressamente presente a cláusula de “dispensa de colação”. Essa cláusula afirma que o bem doado pertencia à parte disponível do patrimônio do doador, não alcançando, portanto, a “legítima”.
Vale ressaltar que a dispensa de colação só será admitida se, no momento da doação, o bem doado não ultrapassou 50% do patrimônio total do doador, conforme menciona o Art. 2005 do Código Civil:
“São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.”
Com essa exceção, o caso mencionado ficaria da seguinte maneira:
Se Pedro realizar a doação para seu filho 1, com a cláusula de dispensa de colação, esse filho será, de certa maneira, “beneficiado”, pois, além dele estar dispensado de levar a doação à colação, ele ainda teria direito a metade do outro imóvel (imóvel 2) por sucessão causa mortis. Vez que, a doação do primeiro imóvel saiu da parcela disponível do patrimônio de Pedro, e não de sua parte legítima.
Dessa maneira, o filho 1 ficaria com o primeiro imóvel (o qual adveio de doação com cláusula de dispensa de colação, equivalente a 50% da parte disponível do patrimônio de Pedro-Pai) e mais metade do segundo imóvel (25% da parte indisponível do patrimônio de Pedro-Pai). Por sua vez, o filho 2 ficaria somente com a outra metade do segundo imóvel (que seria o equivalente a 25%, que também adveio da parte indisponível do patrimônio de Pedro-Pai).
Nesse viés, a cláusula de “dispensa colação” pode ser feita pelo doador por meio do próprio instrumento de doação ou também por testamento, devendo ser inserida sempre de forma escrita e expressa.
Além disso, o bem doado também poderá ficar gravado com cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, caso assim seja o desejo do doador.
Sobre tais cláusulas, a inalienabilidade significa o impedimento de venda do bem doado a terceiros; já a incomunicabilidade inibe que o bem doado seja comunicado ao cônjuge, companheiro ou a terceiros. A impenhorabilidade, por sua vez, impede que o bem doado responda por dívidas contraídas pelo donatário ou seja dado em garantia a empréstimos por ele tomados.
A aplicação dessas cláusulas restritivas é um meio de “proteção” que o doador possui, permitindo que ele partilhe os seus bens, de forma específica, aos seus herdeiros e a quem desejar.
Em suma, o que podemos notar é que, nem sempre, a doação de ascendente para descendente é considerada antecipação de legítima. Isso porque, pode o doador eventualmente dispensar o filho na colação, não podendo, em tal caso, ultrapassar o valor da parte disponível, o que levaria à redução do excesso.
Ademais, a cláusula de dispensa de colação, aplicada na doação, é considerada um eficaz instrumento do planejamento patrimonial e sucessório, a qual proporciona a execução da vontade daquele que deseja doar e evita certos desconfortos patrimoniais.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
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