Por Ivone Zeger
Ex-marido teve seu pedido de indenização por traição acatado. Se a moda pegar, o número de indenizações para mulheres será histórico.
sociedade patriarcal está em ruínas. Assim me referi ao momento atual, certa vez, em um artigo. E quem lida com leis sabe muito bem que desde a nossa última e atual Constituição, a de 1988, e após a modificação do Código Civil, em 2002, mulheres e homens têm os mesmos direitos. Mais do que isso: assuntos que envolvem questões de gênero estão em ebulição. Está aí, legalizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a união civil homoafetiva e, sacramentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o casamento homoafetivo, por meio de resolução vedando a recusa de cartórios em celebrá-lo.
É possível dizer, então, que já estamos numa sociedade igualitária?
Longe disso, felizmente para uns, infelizmente para outros. Ao que parece, estamos, isso sim, numa fase de transição em que será preciso conviver com “rescaldos” de um modelo de sociedade que se apoiou de maneira exacerbada na submissão feminina e na exclusão de minorias. Pois há, ainda, certos embaraços que denotam o quanto ainda devemos caminhar no sentido de os operadores da lei e os cidadãos em geral terem claro na mente o que significa “os mesmos direitos”. Digo isso porque, muitas vezes, é necessário um olhar para trás e perceber os absurdos produzidos pela vigência, por séculos, dessa sociedade.
Um dos temas mais polêmicos é a questão do dever de fidelidade conjugal. Está claro que numa sociedade monogâmica esse item deva constar em lei e, espera-se, seja entendido como uma regra a ser cumprida pelo casal. Mas o espectro de possibilidades que a realidade apresenta é vastíssimo. Assim, ao mesmo tempo em que se ensaia colocar uma lupa sobre o que tem sido chamado de “relações poliafetivas” – um desafio imenso para juristas e legisladores – convive-se, ainda, com os ecos da utilização do arcaico “legítima defesa da honra” para justificar homicídios e ações violentas de homens contra mulheres supostamente adúlteras.
Cito o “legítima defesa da honra” porque ao relativizar crimes contra mulheres, a sociedade foi capaz de respaldar uma violência que ganhou contornos graves e mais um nome: feminicídio. Um neologismo ainda não constante nos dicionários da Língua Portuguesa, mas que pode ganhar um lugar no Código Penal. Feminicídio significa “forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher”.
Entretanto neste 1º de agosto de 2023 o STF decidiu, por unanimidade, que é inconstitucional o uso da tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio tanto na fase processual quanto pré-processual, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
Sempre existiram dois pesos e duas medidas na aplicação da lei, quando esta se referia às mulheres. Todos nós sabemos disso, lamentamos, mas eu temo que é só a partir de agora que teremos como aquilatar o real prejuízo desses equívocos. E, talvez, ainda possamos nos manter alertas para que outros tantos erros não sejam cometidos.
E eles acontecem. Recentemente, me deparei com a seguinte opinião elaborada por um jurista:
“A esposa infiel tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que tenha ocultado dele, até alguns anos após a separação, o fato de que criança nascida durante o matrimônio e criada como filha biológica do casal seria, na verdade, filha sua e de seu ‘cúmplice’”. Para tanto, o jurista cita os deveres impostos por lei no casamento, dispostos no artigo 1.566 do Código Civil: fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos. E um belo libelo em favor da felicidade do marido traído: “O STF (Supremo Tribunal Federal), aliás, já sinalizou acerca do direito constitucional à felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana”.
Vamos imaginar , agora, um episódio mais comum: o adultério masculino e a gravidez fora do casamento. Desde a promulgação da Constituição de 1988, não existem mais filhos ilegítimos. Ou seja, uma criança nascida de uma relação extraconjugal tem o mesmo direito de receber o nome do pai quanto os filhos que este mesmo pai tiver com sua esposa, portanto no contexto do casamento. Ao legislar dessa forma, o que se buscou foi dar mais segurança e garantia às crianças. Isso incorreu, claro, numa mudança importante. Desde então, é mais difícil esconder da esposa uma criança gerada fora do casamento.
Com a revelação da traição, o que esse casal fará dali para frente não é problema da lei, contanto que a todos os filhos sejam assegurados um pai, o que é, sem dúvida, um avanço extraordinário. Porém, enquanto se assegurava os direitos dessa criança nascida fora do casamento, houve alguma previsão de indenização para a esposa traída?
Obrigatoriamente, esta terá de dividir renda mensal, patrimônio e a atenção do marido. Ou mesmo que se decida pelo divórcio, igualmente terá de conviver com mais um irmão ou irmã de seus filhos. Ora, muitas mulheres necessitam de ajuda psicológica para superar a traição, ou mesmo para manter o ritmo de vida das crianças e não aumentar o sofrimento da família. No entanto, entende-se que as atenções da lei devam se voltar para o bem estar dos filhos e absolutamente nada é legislado em favor da mulher traída. E isso é um consenso.
Porém, diante de um homem traído, a lei esquece a criança gerada fora do casamento e a necessária proteção da responsabilidade sócio-parental. É, no mínimo, revoltante. Se as mulheres traídas tomarem esse caminho, teremos um surto de pedidos de indenização que certamente se tornará histórico. Será que é o caso de revanche? Ou de efetivamente se colocar a razão como balizadora das ações? Pelo menos, em relação à última pergunta, é o que se espera da lei e dos que a aplicam.
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