Por David Roberto R. Soares da Silva
A Medida Provisória nº 1171 (MP 1171), editada no final de abril de 2023, propõe mudar a forma como são tributados os investimentos financeiros no exterior, assim como as empresas offshore e trusts detidos por pessoas físicas residentes no Brasil. Uma “novidade” trazida pela MP 1171 foi a possível tributação de apólices de seguro contratadas no exterior, ao equipará-las a investimentos financeiros.
Dispõe o Art. 3º da MP 1171:
“Art. 3º Os rendimentos auferidos a partir de 1º de janeiro de 2024 em aplicações financeiras no exterior pelas pessoas físicas residentes no País serão tributados na forma prevista no art. 2º.
§ 1º Para fins do disposto deste artigo, consideram-se:
I – aplicações financeiras – exemplificativamente, depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior; e
II – rendimentos – remuneração produzida pelas aplicações financeiras, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior.
§ 2º Os rendimentos de que trata o caput serão computados na DAA e submetidos à incidência do IRPF no período de apuração em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras.”
De acordo com o Art. 3º acima transcrito, a apólice de seguro contratada no exterior é incluída como uma forma de aplicação financeira e, portanto, a remuneração dela gerada, a partir de 1º de janeiro de 2024, será tributada de acordo com a MP 1171.
Por oportuno, vale destacar o Art. 43 do Código Tributário Nacional (CTN) define como fato gerador do imposto de renda a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” da renda e de proventos de qualquer natureza. Renda é definida como “o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”, ao passo que proventos incluem outros acréscimos ao patrimônio do contribuinte que não estejam compreendidos no conceito de renda. Aluguel, juros, remuneração por serviços, salários são exemplos de renda, ao passo de indenizações, prêmios, doações, loterias etc., se encaixariam no conceito de proventos.
Pois bem, a tributação pelo IR somente é legalmente possível se o contribuinte vier a adquirir a disponibilidade econômica ou jurídica dessa renda ou proventos, tal como determina o Art. 43 do CTN. E é sobre essa ótima que se deve analisar as apólices de seguro contratadas no exterior para fins da tributação estabelecida no Art. 3º da MP 1171. Mas o que significa essas duas modalidades de disponibilidade da renda?
Suponha que você tenha investido em ações de uma empresa na Bolsa de Nova York que paga dividendos semestrais. No final de cada semestre, os dividendos são creditados na sua conta de investimento. Mesmo que você decida reinvestir esses dividendos em vez de retirá-los, eles já são considerados como disponíveis para você do ponto de vista econômico. Ou seja, você tem o poder de usá-los como quiser – para gastos pessoais, para reinvestir, para doar etc. Portanto, esses dividendos estão sujeitos à tributação do IR, pois você adquiriu a disponibilidade econômica desses recursos.
Agora imagine que você vendeu uma propriedade e o comprador financiou parte do imóvel junto a uma instituição financeira, que irá liberar o direito em até 60 dias da assinatura da escritura de venda. Ainda que o dinheiro da venda seja retido pelo banco por esse prazo, ele já é de sua propriedade por direito a partir do momento em que a escritura foi lavrada, ainda que o valor ainda não tenha sido creditado na sua conta. A disponibilidade jurídica ocorre quando o direito a esse dinheiro é estabelecido, mesmo que você ainda não possa utilizá-lo economicamente. Portanto, mesmo que você não possa usar o dinheiro imediatamente, o valor da venda da propriedade é considerado renda para fins fiscais. Neste caso, vale destacar, o momento da escritura irá estabelecer o montante do seu ganho de capital, fato gerador do IR, embora a legislação tributária permita que você pague o imposto somente depois de receber o preço.
No caso de apólices de seguro, é preciso entender como funcionará a tributação. Se a apólice de seguro for vista como um investimento, onde se paga um valor e se espera um retorno financeiro maior, então os rendimentos (ou seja, o retorno financeiro menos o valor original investido) seriam tributáveis de acordo com a MP 1171 e o art. 43 do CTN. Assim, os rendimentos seriam computados na Declaração de Ajuste Anual (DAA) e submetidos à incidência do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) no período de apuração em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras.
Contudo, se a apólice de seguro for contratada no exterior com a finalidade de cobrir riscos (por exemplo, saúde, vida, propriedades etc.), sem expectativa de retorno financeiro além da cobertura do risco contratado, não haveria um acréscimo patrimonial para ser tributado, portanto, não estaria sujeita à tributação pelo imposto de renda de acordo com o CTN e a MP 1171.
O seguro de vida universal (Universal Life Insurance, em inglês) é uma forma de seguro de vida que também possui um componente de investimento. Na política de seguro de vida universal, parte do prêmio do seguro é investida e pode acumular valor ao longo do tempo. Esse valor acumulado pode ser acessado pelo titular da apólice durante a sua dele, geralmente sob certas condições e depois de certo prazo. Esse valor investido está sujeito a certos descontos, maiores nos primeiros anos da apólice e que vão diminuindo ao longo do tempo.
Mas, mesmo nesse caso, não há rendimentos gerados que o detentor da apólice possa usufruir de imediato e que poderiam ser tributados anualmente pela MP 1171. Para ter acesso ao valor do investimento gerado a partir do pagamento do prêmio, ele deve solicitar um resgate (redemption) do valor total ou parcial do investimento. A princípio, e sujeito às condições de cada apólice, a tributação somente ocorreria na solicitação do resgate do valor do fundo, quando então haveria disponibilidade econômica da renda. Essa perspectiva está em linha com o que dispõe o § 2º do Art. 3º da MP 1171.
Por outro lado, se não houver resgate e o detentor da apólice falecer, então a indenização contratada será paga aos beneficiários e, nesse caso, há expressa isenção de IR sobre essa indenização, conforme dispõe o Art. 6º, inciso XIII, da Lei nº 7.713/1988.
Vale destacar, por oportuno, que o mercado internacional de seguros é gigantesco e conta com uma ampla variedade de modalidades de apólice, várias delas com um elemento muito forte de investimento. Há produtos de seguro, por exemplo, que permitem ao titular destinar parte do prêmio pago para uma conta de investimento no exterior e, por meio dela, fazer investimentos tal como uma conta em corretora. O lucro das operações pode ser sacado a qualquer momento, em nada (ou quase nada) se diferenciando de uma conta de investimento normal.
Para esses produtos de seguro, é grande a probabilidade de serem incluídos no Art. 3º da MP 1171 e, por consequência, terem seus resultados positivos tributados anualmente na Declaração de Ajuste Anual.
Se antes da MP 1171, a tributação dessas apólices era mais nebulosa, com a sua edição são maiores a chances de que seus rendimentos sejam tributados anualmente. A palavra final sobre o assunto, assumindo que a MP 1171 seja aprovada pelo Congresso Nacional da forma como foi editada, dependerá dos termos e condições de cada apólice e da forma como o seguro foi contratado no exterior (p. ex., por meio de uma empresa offshore ou um trust).
Serão as condições específicas da apólice que mostrarão se há ou não disponibilidade econômica ou jurídica da renda para fins de tributação, sendo importante conhecer, também, a estrutura utilizada para a contratação do seguro.
Convertida a MP 1171 em lei, o tema da tributação das apólices de seguro não deve ser desdenhado, dado que estamos em um ambiente de troca automática de informações financeiras em âmbito global, cujo sistema já conta com mais de 100 países. Esse ambiente facilita o conhecimento, pelo fisco brasileiro, de transações financeiras realizadas no exterior, podendo incluir as apólices de seguro.
Por fim, vale destacar que há restrições regulatórias no Brasil para a contratação de seguros no exterior, mas esse não foi o foco desse artigo, que se limitou à análise dos aspectos tributários vis-à-vis o que dispõe a MP 1171.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2020), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil, todos publicados pela Editora B18.
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