Por Roberto P. Vasconcellos
Em recente posicionamento, a Receita Federal entendeu que incide imposto de renda pela tabela progressiva sobre valores recebidos de trust no exterior por pessoa física residente no Brasil. É a primeira manifestação do fisco sobre o assunto
Nunca foi segredo que a inexistência de trusts no direito brasileiro gera insegurança jurídica em relação aos brasileiros que, conscientemente ou não, sejam partes de uma estrutura estrangeira desta natureza. Com o constante aumento do interesse de brasileiros por trusts, é cada vez mais imperioso que se tenha não apenas manifestações da Receita Federal, mas também uma legislação local que trate o tema com a tecnicidade que lhe é exigida.
A Solução de Consulta COSIT nº 41, de 31 de março de 2020, foi publicada no D.O. em 2 de abril de 2020, e é a primeira manifestação oficial das autoridades tributárias brasileiras sobre trusts. Nesta consulta, a Receita Federal foi indagada pela contribuinte se as distribuições feitas por trust em que seu marido foi o instituidor seria renda ou doação para fins tributários no Brasil. A contribuinte afirmara que recebia essas distribuições na qualidade de beneficiária e herdeira.
O interesse da contribuinte em solicitar a consulta é compreensível pela considerável diferença de valores a serem tributados pelo imposto de renda, que é administrado pela própria Receita Federal, e cuja alíquota pode chegar a 27,5%, enquanto pelo ITCMD, administrado pelos estados, o limite é 8%, sendo 4% no Estado de São Paulo.
No caso, a Receita Federal perdeu uma grande oportunidade de fazer uma análise mais profunda sobre o tema, pois limitou sua análise apenas ao imposto de renda. Adotou a posição simplista de que, por ser o ITCMD um imposto estadual, a Receita não poderia se manifestar. Errou. E errou porque deveria ter feito uma análise mais profunda, delimitando quais seriam os limites de incidência do IR e do ITCMD na Constituição Federal, para então passar à análise da natureza jurídica da distribuição do trust.
Mas não fez nada disso. Apenas concluiu pela incidência do IR tabela progressiva fazendo referência a normas genéricas da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional que tratam da tributação sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Julgou ineficaz a consulta para fins de ITCMD, pois é imposto estadual, sem se importar com a análise da natureza jurídica do pagamento recebido pela consulente.
Por essas razões, a solução de consulta é limitada e não cumpre o objetivo de oferecer mais clareza sobre o que esperar da Receita Federal em futuros pronunciamentos e eventuais auditorias.
Como trusts são instrumentos de planejamento patrimonial e sucessório, a análise das questões tributárias envolvidas, invariavelmente, demanda conhecimento sobre diversos ramos do direito além do tributário como, por exemplo, o direito societário, de família e sucessões. Neste sentido, o direito brasileiro oferece respostas diversas se o trust transferir a seus beneficiários a renda gerada pelo patrimônio que está sob a responsabilidade de seu trustee, ou se a transferência incluir parte do próprio patrimônio que gera a renda. Tais transferências também adquirem consequências jurídicas diferentes se as distribuições forem à esposa que seja casada com o instituidor pelo regime da comunhão universal ou àquela que esteja sob o regime da separação total de bens. Essas e outras questões, tais como revogabilidade e irrevogabilidade, discricionariedade e não discricionariedade, sequer foram abordadas pela solução de consulta comentada.
Ainda há esperança que, no futuro, a Receita Federal venha a tratar do assunto com atenção às diversas variações que o instituto do trust comporta. Mas, infelizmente, não foi desta vez.
Roberto P. Vasconcellos é advogado sênior, especialista em planejamento patrimonial e sucessório internacional, e coautor do livro Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, publicado pela Editora B18.
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