Por David Roberto R. Soares da Silva
Você deve estar pensando se o título deste artigo está realmente certo. Sendo o inventário uma providência para apuração de bens e obrigações de uma pessoa falecida, a maneira pela qual ele é feito – judicial ou extrajudicial – não deveria resultar em nenhuma distinção sob o ponto de vista tributário. Será mesmo?
Inventário é o processo aberto após o falecimento, pelo qual se faz o levantamento de todos os bens e dívidas, a avaliação deles e a sua divisão entre os sucessores do falecido. A partilha é, portanto, a divisão do patrimônio do de cujus entre seus sucessores após o inventário. Cada herdeiro, por meio da partilha, recebe a sua parte da herança.
Pela lei, o inventário judicial é sempre possível, mas será obrigatório quando presentes quaisquer situações que o exijam, quais sejam[1]:
- existência de testamento;
- existência de herdeiros menores ou incapazes; ou
- inexistência de acordo entre os herdeiros com relação à partilha.
A regra relativa ao testamento foi flexibilizada nos últimos anos, sendo possível a realização de inventário extrajudicial mesmo existindo testamento[2] e desde que não estejam presentes as demais situações que exijam o inventário judicial.
A flexibilização também tem sido aceita em inventário com menores, especialmente se partilha se dá de forma ideal, ou seja, cada herdeiro recebe a fração ideal que lhe caberia em cada um dos bens herdados, não havendo alteração do pagamento dos quinhões de cada um. Nesses casos, tem sido deferida autorização judicial para que o inventário seja processado perante Tabelião de Notas, mesmo com menores.
Questão importante diz respeito ao local (foro) perante o qual deve ser iniciado o processo de inventário judicial. O Código de Processo Civil de 2015 (CPC) estabelece que o foro competente é o do local do domicílio do falecido (autor da herança), dispondo, ainda, sobre regras, caso o falecido não possua domicílio certo. É o que estabelece o Art. 48 do CPC:
“Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:
I – o foro de situação dos bens imóveis;
II – havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;
III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio.”
Assim, o pedido judicial de inventário e partilha dos bens deve ser apresentado perante o Juízo do lugar da última residência do falecido.
Desde 2007[3], é possível, também, fazer inventário extrajudicial por meio de escritura pública, perante Tabelião de Notas, sem a necessidade de processo judicial e desde que não estejam presentes condições impeditivas, como visto acima. Isso tornou o procedimento mais rápido e mais barato, dado que não há o pagamento de custas judiciais que podem chegar a 1% do valor do patrimônio.
No entanto, diferentemente do inventário judicial, a lei não exige que o inventário extrajudicial seja aberto e processado no domicílio do falecido, bastando que seja feito por Tabelião de Notas. A regra do Art. 48 do CPC trata do foro para inventário judicial, não sendo automaticamente aplicável ao inventário extrajudicial.
É fato que abrir o inventário extrajudicial no local do domicílio do falecido pode fazer sentido na grande maioria dos casos. Mas, imagine um pai que resida em Roraima e venha a falecer em São Paulo, local onde morem seus herdeiros. Talvez seja mais conveniente aos herdeiros abrir o inventário extrajudicial em São Paulo, onde conheçam um tabelião e advogado de sua confiança. Isso é possível.
Mas, afinal, qual a vantagem tributária do inventário extrajudicial? Ela diz respeito ao ITCMD, o imposto sobre heranças.
A Constituição Federal estabelece o seguinte com relação ao ITCMD:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
(…) § 1º O imposto previsto no inciso I:
I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal
II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal.
A regra acima estabelece que, para os bens móveis, títulos e créditos, o que inclui ativos e aplicações financeiras, saldos em contas bancárias, quotas de fundos exclusivos e até mesmo participações em empresas, o ITCMD será devido ao estado em que se processar o inventário.
Ora, no caso do inventário extrajudicial, não sendo necessário escolher Tabelião de Notas do local do domicílio do falecido, o processamento do inventário extrajudicial em outro estado fará com que o ITCMD sobre os bens móveis, títulos, créditos, aplicações etc. (exceto imóveis) seja devido a esse último estado.
Imagine o inventário extrajudicial de falecido domiciliado em Santa Catarina, cuja alíquota progressiva pode facilmente chegar a 8%. Se processado no estado de São Paulo, o ITCMD paulista de 4% incidirá sobre todos os bens móveis do falecido catarinense, sendo devido o imposto para Santa Catarina apenas sobre o patrimônio imobiliário ali localizados.
Vejamos o que dizem as leis desses dois estados:
Em São Paulo, a Lei nº 10.705/2000 estabelece o seguinte:
Artigo 3º – Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:
I – qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza;
II – dinheiro, haver monetário em moeda nacional ou estrangeira e titulo que o represente, depósito bancário e crédito em conta corrente, depósito em caderneta de poupança e a prazo fixo, quota ou participação em fundo mútuo de ações, de renda fixa, de curto prazo, e qualquer outra aplicação financeira e de risco, seja qual for o prazo e a forma de garantia;
III – bem incorpóreo em geral, inclusive título e crédito que o represente, qualquer direito ou ação que tenha de ser exercido e direitos autorais.
(…) § 2º – O bem móvel, o título e o direito em geral, inclusive os que se encontrem em outro Estado ou no Distrito Federal, também ficam sujeitos ao imposto de que trata esta lei, no caso de o inventário ou arrolamento processar-se neste Estado ou nele tiver domicílio o doador.
Em Santa Catarina, a Lei nº 13.136/2004 dispõe:
Art. 3º O imposto é devido:
I – em se tratando de bens imóveis e respectivos direitos, quando situados no território deste Estado; e
II – em se tratando de bens móveis, direitos, títulos e créditos, quando:
a) o inventário judicial ou extrajudicial se processar neste Estado;
b) o doador for domiciliado neste Estado.
c) o doador ou cedente residir ou tiver domicílio no exterior e o donatário ou cessionário for domiciliado neste Estado;
d) o herdeiro ou legatário for domiciliado neste Estado, o “de cujus” possuia bens, era residente ou domiciliado exterior ou teve o seu inventário processado no exterior; e
e) se os transmitentes residirem ou forem domiciliados no exterior e o ato de transferência do bem ou direito ocorrer neste Estado.
Em casos como esse, é prudente que se analise a legislação de ambos os estados para assegurar o tratamento previsto na Constituição Federal sem qualquer surpresa desagradável. Isso porque, não raro, estados criam regras próprias, por vezes inconstitucionais, que podem demandar a propositura de ação judicial para fazer valer a regra constitucional. Mas a medida judicial é demorada e custosa, e pode não surtir o efeito desejado ao final.
Recentemente, tivemos a oportunidade de confirmar esse entendimento em um caso envolvendo Minas Gerais e São Paulo. O falecido era residente no interior de Minas Gerais, mas o inventário extrajudicial se processou em São Paulo dada a residência dos herdeiros e do advogado da família. Minutada a escritura de partilha, essa foi submetida ao fisco mineiro para validação e confirmação do imposto devido. Minas Gerais validou e homologou a incidência do ITCMD de 5% somente sobre os bens imóveis localizados no estado, reconhecendo a competência de São Paulo para a cobrança do ITCMD (de 4%) sobre os saldos bancários, investimentos e outros bens móveis do falecido em razão do local do processamento do inventário.
No caso concreto, a escolha pelo inventário extrajudicial em São Paulo não teve por objetivo a economia do ITCMD, mas sim a praticidade em razão da proximidade dos herdeiros e do advogado.
A mensagem que fica é a de que o inventário extrajudicial pode propiciar uma economia tributária interessante no âmbito do planejamento patrimonial e sucessório. Aqueles envolvidos nesse tipo de planejamento devem estar atentos a essa oportunidade, valendo a ressalva de que não se pode prescindir de uma análise detalhada do patrimônio em questão vis-à-vis as legislações tributárias dos estados envolvidos.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
[1] Art. 610 do Código de Processo Civil/20155.
[2] STJ, Recurso Especial nº 1808767, julgamento em 15.10.2019.
[3] Lei nº 11.441/2007, reproduzida no Art. 610, § 1º do CPC/20155.
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