Por Artur Francisco da Silva e Ana Bárbara Zillo
Os valores provenientes de planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, são considerados objeto de partilha em dissolução de união estável, uma vez que possuem natureza de aplicação financeira e de investimento.
Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento ao recurso especial de um homem que tentava evitar que os valores, depositados em plano de previdência privada aberta, fossem incluídos na partilha de bens com sua ex-companheira.
No caso, o homem alegava que os valores de previdência privada aberta não poderiam ser partilhados na dissolução de seu vínculo conjugal, uma vez que a verba discutida teria caráter personalíssimo e adviria de seu esforço pessoal, sem a contribuição de sua ex-companheira.
Ao analisar o caso, o STJ decidiu que o regime de previdência privada aberta é, substancialmente, distinto da previdência privada fechada.
No primeiro caso, o plano pode ser contratado por qualquer pessoa física ou jurídica, com o qual o investidor – titular do plano – pode deliberar livremente sobre os seus valores de contribuição, como resgates antecipados, depósitos adicionais, dentre outros.
Já na previdência privada fechada, os planos são criados, exclusivamente, para funcionários de uma empresa ou de determinada categoria. Esse plano não possui fins lucrativos e recebe o nome de “fechada”, pois seu acesso é limitado apenas a certo grupo de pessoas (ex., funcionários de uma empresa, categoria profissional).
Diante de tal diferenciação, a relatora Nancy Andrighi arguiu que a previdência privada aberta só ganha natureza securitária e previdenciária complementar, não passível de partilha, quando o investidor passa a receber os valores, que acumulou ao longo da vida, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas. Até esse momento ocorrer, os saldos de previdência privada aberta devem ser considerados como um investimento financeiro qualquer.
Vale destacar trechos da ementa:
“(…) 5 – Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.
6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002 (…).” (STJ – REsp: 1880056, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 22/03/2021)
A natureza previdenciária do VGBL ou PGBL surge apenas a partir do momento em que o investidor passa a receber as prestações periódicas que acumulou ao longo da vida, como uma forma de complementação da renda. Antes disso, ou seja, antes dessa conversão em renda e pensionamento, a natureza é de investimento, justamente pelas amplas possibilidades de movimentação disponível ao investidor.
Vale lembrar que, em se tratando de previdência privada fechada, o STJ já fixou o entendimento de que o montante dirigido à formação do fundo previdenciário não seria comunicável, isto é, não deveria integrar a partilha decorrente da dissolução do casamento ou da união estável:
“(…)1. Cinge-se a controvérsia a identificar se o benefício de previdência privada fechada está incluído dentro no rol das exceções do art. 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é verba excluída da partilha em virtude da dissolução de união estável, que observa, em regra, o regime da comunhão parcial dos bens. 2. A previdência privada possibilita a constituição de reservas para contingências futuras e incertas da vida por meio de entidades organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social. 3. As entidades fechadas de previdência complementar, sem fins lucrativos, disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos empregados ou grupo de empresas aos quais estão atrelados e não se confundem com a relação laboral (art. 458, § 2º, VI, da CLT). 4. O artigo 1.659, inciso VII, do CC/2002 expressamente exclui da comunhão de bens as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes, como, por analogia, é o caso da previdência complementar fechada. 5. O equilíbrio financeiro e atuarial é princípio nuclear da previdência complementar fechada, motivo pelo qual permitir o resgate antecipado de renda capitalizada, o que em tese não é possível à luz das normas previdenciárias e estatutárias, em razão do regime de casamento, representaria um novo parâmetro para a realização de cálculo já extremamente complexo e desequilibraria todo o sistema, lesionando participantes e beneficiários, terceiros de boa-fé, que assinaram previamente o contrato de um fundo sem tal previsão. (…) 8. Recurso especial não provido.” (REsp nº 1.477.937/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 20/6/2017).
Em síntese, é preciso ter em mente que muitos atritos poderiam (e até deveriam) ser evitados mediante o diálogo franco e aberto entre os casais.
É certo que, no período da comunhão, no qual tudo está calmo e sereno, a finitude do vínculo, dificilmente, é tratada. Instrumentos como o pacto antenupcial e até um planejamento patrimonial são, muitas vezes, desconsiderados e, infelizmente, entra em voga o jargão popular: durante a união do casal, eles se tratam como “meu bem”, e após o término, “meus bens”.
Artur Francisco da Silva e Ana Bárbara Zillo são advogados do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
CONHEÇA NOSSO BEST-SELLER SOBRE PLANAJAMENTO PATRIMONIAL