Por David Roberto R. Soares da Silva
Quando se discute planejamento financeiro e sucessório, uma máxima sempre usada é a de que “previdência privada” aberta, especialmente o VGBL, não entra em inventário. Mas, ainda que haja fundamento legal para essa afirmação, o Poder Judiciário tem determinado a inclusão desses panos em inventário, o que exige atenção.
Os planos de previdência privada se popularizaram com a edição da Lei nº 9.250/1995, que passou a admitir a dedução para fins de imposto de renda dos valores pagos nestes planos. Até a edição dessa lei, os valores pagos para a previdência privada não eram dedutíveis. O VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) e o PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) são planos de previdência privada aberta que possuem um período de acumulação (ou diferimento) de recursos após o qual se inicia o período de recebimento de renda, que pode se dar por um pagamento mensal (vitalício ou por prazo determinado) ou mediante pagamento único.
A diferença entre os planos é basicamente o tratamento tributário aplicável durante os períodos de acumulação e de pagamento ou resgate.
Do ponto de vista sucessório, tal como o seguro de vida, os valores aportados em planos de previdência, especialmente na modalidade VGBL, não se sujeitam às regras de sucessão por força do art. 794 do Código Civil, que assim estabelece:
Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
Em termos práticos, isso significa dizer que o contratante do plano é livre para indicar quem serão os beneficiários e em quais proporções.
Essa liberdade, no entanto, deve ser exercida dentro do limite do razoável, evitando-se usar o subterfúgio do plano de previdência aberta para lesar herdeiro legítimo (deixando-o sem nada ou com quase nada), o que poderá resultar em briga judicial.
Foi exatamente o que aconteceu no estado do Paraná, cujo Tribunal de Justiça (TJPR), em recente decisão, determinou a inclusão de saldos de VGBL em processo de inventário por entender que a contratação do plano se deu de forma a lesar herdeiros necessários.
O caso dizia respeito a uma herança disputada por cinco herdeiros, dois dos quais netos do falecido em representação de seu pai, que falecera anteriormente. Os netos pleitearam a inclusão, no processo de inventário, de saldo de VGBL que tinha como beneficiários outros herdeiros que não os netos. Alegaram que a contratação do plano teria se dado em prejuízo da herança dado que o aporte feito de uma só vez no plano superava a parcela do disponível do falecido.
Em sua decisão, o TJPR entendeu que as circunstâncias e provas trazidas aos autos demonstravam que os netos tinham razão e que, portanto, o saldo do VGBL recebido pelos demais herdeiros deveria ser trazido ao inventário. Dentre as circunstâncias que convenceram o Tribunal estava o fato de que a contratação se dera quando o falecido já contava com 76 anos e que o pagamento dos benefícios do VGBL somente começaria quando o contratante contasse com 99 anos.
Assim sendo, a Corte concluiu que não havia real interesse na contratação de plano previdenciário e que havia “desvirtuamento da finalidade do VGBL” com “a finalidade de fraudar a legítima”. Com essa conclusão, o TJPR entendeu que o VGBL não possuía, no caso concreto, natureza de seguro de vida, mas sim de investimento e aplicação financeira e, por essa razão, deveria ser trazido ao inventário e partilhado entre todos os herdeiros necessários, incluindo os netos.
Vale transcrever a ementa da decisão:
Agravo de instrumento. Ação de inventário. Decisão que determinou a inclusão dos valores referentes ao VGBL no rol de bens do espólio. insurgência das autoras. Alegada natureza securitária do VGBL. não verificação. Desvirtuamento da natureza securitária verificado. Benefício contratado pelo autor da herança quando já contava com 76 (setenta e seis) anos e faleceu aproximadamente dois anos após. Intuito de beneficiar algumas herdeiras. Valores aportados que superam o patrimônio disponível. Precedente do STJ quando há desvirtuamento da natureza securitária. Alerta doutrinário quando há intenção de prejudicar herdeiros. Decisão mantida. Recurso não provido[1].
A lição trazida pela decisão deve ser levada em consideração por famílias e seus consultores, planejadores financeiros e advogados, a fim de evitar prejuízo aos herdeiros e o aumento desnecessário do custo sucessório.
É bem possível que um planejamento mais bem construído e pensado teria permitido a transferência da herança de forma mais eficiente, da forma desejada pelo falecido, dentro dos parâmetros legais. No caso, optou por uma via “fácil” que se provou equivocada e custosa. A depender do regime tributário escolhido pelo falecido, os rendimentos do VGBL podem ter sido tributados pelo IRRF em até 35% muito superior a qualquer outra aplicação financeira disponível no mercado brasileiro. Além disso, ao ser trazido ao inventário, o montante da previdência privada também gerou ITCMD e certamente foi considerado para fins de custas judiciais de até 1%. Isso tudo sem contar os dispêndios com advogados nessa disputa judicial.
Ou seja, o “barato saiu caro”, mostrando que o planejamento patrimonial e sucessório exige muito cuidado, estudo e conhecimento multidisciplinar.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
[1] TJPR, Agravo de Instrumento nº 0030717-42.2021.8.16.0000, julgamento em 13.08.2021.
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