Na vida sabemos que tudo é muito subjetivo. E com as nossas finanças, esse conceito se torna mais verdadeiro ainda.
Existe um conceito de racionalidade pura, que permeia as Finanças Modernas, segundo o qual, para que um processo de decisão seja totalmente racional, o agente econômico (ou seja, nós) deve avaliar todas as variáveis possíveis e disponíveis. Mas normalmente não é isso que acontece. Em vez de agir dessa forma, temos uma tendência a utilizar alguns atalhos mentais para que o processo decisório se torne mais rápido e prático, o que acaba extraindo essa racionalidade pura do processo, e automaticamente acabamos recorrendo ao uso de vieses de decisão, ou vieses cognitivos.
Você já deve ter ouvido falar dos vieses comportamentais nos investimentos: viés da ancoragem (que, explicando de maneira bem simples, é quando você se “apega” a um número e, por exemplo, deixa de vender uma ação que está superdesvalorizada esperando que chegue no valor que você espera); aversão à perda (a dor da perda tem maior impacto e gera mais lembrança do que o prazer do ganho, ou seja, temos uma tendência de tomar decisões pautadas na perda e não no ganho); excesso de confiança (quando o investidor tende a ser excessivamente confiante sobre as teses nas quais se baseou para investir em determinado ativo, ignorando os riscos) entre muitos outros vieses.
Mas o que quero trazer aqui é uma reflexão sobre os vieses cognitivos que impactam na hora de lidar com seu dinheiro, com suas finanças pessoais. Os vieses que impactam nos seus hábitos financeiros.
Temos evidências, até o momento, de que a mente humana é uma “colcha de retalhos” – inclusive, quando dormimos, acontece algo como se fosse a “costura” dos retalhos dessa colcha. Mas, para que o cérebro faça esse trabalho e outros pelos quais é responsável, acaba consumindo muita energia, algo em torno de 20% a 30% das calorias que ingerimos. Então nosso corpo sabiamente poupa energia por princípio, algo que é herdado dos nossos antepassados, que tinham que poupar energia para caçar e tinham que tomar decisões muito rápidas, pois, vivendo na natureza em contato com animais predadores e outras ameaças, muitos perigos tinham que ser enfrentados para se manterem vivos.
Essa escassez de energia acabou contribuindo muito para a origem de nossos vieses cognitivos, que são atalhos mentais, são tendências que podem levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais. Para poupar energia, nosso cérebro acaba tomando esses “atalhos”, que são decisões muitas vezes impensadas e automáticas baseadas em algo que construímos como verdade por vivências e crenças passadas. Eles também são chamados de “heurísticas”: procedimentos mentais simples que ajudam a encontrar respostas adequadas, embora várias vezes imperfeitas, para perguntas difíceis (inclusive, essa palavra tem a mesma raiz que a palavra heureka, que foi supostamente pronunciada pelo cientista grego Arquimedes, quando descobriu como resolver um complexo dilema apresentado pelo rei Hierão – é como se fosse a tradução de “achei!”).
Então, quando eu citei mais acima que tudo é relativo, principalmente quando se trata de nossas finanças, quis dizer que o repertório que temos, nossos desejos e preferências, as crenças que desenvolvemos ao longo dos anos, a educação que temos em casa e a escassez ou o excesso de algumas coisas durante nossas vidas acabam, muitas vezes, nos induzindo a erros nas nossas decisões financeiras.
Mas as heurísticas, ou vieses, podem também, é claro, nos induzir a acertos. Nesse sentido, também têm um papel positivo importante nas nossas vidas, pois decisões rápidas podem nos salvar de várias enrascadas. Como, por exemplo, quando nos utilizamos do que chamamos de “reflexo”: ao vermos um carro vindo em nossa direção quando estamos atravessando a rua, nós saímos correndo ou andamos mais rápido.
O comportamento nas decisões financeiras é tão importante que, em 2002, o psicólogo Daniel Kahneman ganhou o prêmio Nobel de Economia – e é uma referência nessa área –, quando propôs um olhar menos racional sobre os eventos econômicos. Ele não foi o único, Richard Thaler, em 2017, também jogou luz à economia comportamental no mundo das finanças, fazendo novamente o tema vencedor do prêmio Nobel. Mas essas teorias vêm desde muito antes. Já que em 1957, Hebert Simon, um economista estadunidense, já dizia que o ser humano tem uma racionalidade limitada.
Existem outros grandes estudiosos das finanças comportamentais e até uma área com foco no tema, a Economia Comportamental, que é como se fosse uma ponte entre a psicologia e a economia. Ela surgiu com o intuito de criar modelos que descrevem de maneira mais realista as escolhas dos indivíduos, contrapondo a abordagem econômica tradicional, que é baseada na Hipótese dos Mercados Eficientes (HME) e na concepção do “homo economicus”. Tal concepção descreve o homem como um tomador de decisão racional e equilibrado, sempre optando pelo melhor cenário financeiro e usando a razão para produzir e consumir. A famosa discussão sobre “alugar ou comprar” seu imóvel já desmonta essa teoria, pois sabemos que, nessa equação, o fator emocional sempre tem um grande peso.
O próprio Nassim Taleb, autor de vários livros bastante conhecidos no mercado financeiro, como suas principais obras, “O Cisne Negro” e “Antifrágil”, baseia seu pensamento na crítica aos métodos de gerenciamento de riscos utilizados de forma padrão pelo mercado financeiro. Em sua opinião, “é um erro comparar a aleatoriedade do mundo real com a aleatoriedade estruturada na física quântica, onde as probabilidades são notavelmente computáveis. Ou então, nos jogos de azar, onde as probabilidades são construídas artificialmente. E por conta disso, dificilmente os cálculos econômicos preveem com exatidão as demandas e falhas do mercado”.
Toda essa nossa irracionalidade e os mecanismos mentais que usamos são desafios que, muitas vezes, nos impedem de construir riqueza. Na verdade, arrisco dizer que o único empecilho para construirmos riqueza é nossa própria mente. Driblar os nossos vieses não é, de forma alguma, uma tarefa fácil. Fazer escolhas que vão nos beneficiar no futuro em detrimento do prazer imediato, viver um degrau abaixo, deixando muitas vezes de lado um comportamento de manada e fazer escolhas e priorizações que caibam dentro do nosso padrão de vida, são desafios maiores do que, muitas vezes, podemos imaginar. E vamos deixando a vida nos levar, “no automático”, seguindo nossos vieses sem mesmo perceber que estamos “sob efeito” deles.
A maioria das pessoas não se planeja justamente por causa de alguns vieses. E as desculpas que inventam para si mesmas são diversas: “ah, mas e se eu morrer amanhã?”, “ah, mas isso não vai acontecer comigo”; ou mesmo pensamentos enraizados de que não são merecedoras de riqueza ou que o dinheiro é algo ruim e que o “capitalismo” é a ruína do mundo. Já ouvi inclusive pessoas dizendo que fazer uma Reserva de Emergência é, de certa forma, atrair coisas ruins, pois você estaria direcionando seu pensamento para elas.
Além do fato de sermos irracionais, temos uma condição muitas vezes emocionalmente vulnerável, tanto que pesquisas mostram que, desde 2017, o Brasil tem o maior índice de pessoas com transtornos de ansiedade em todo o mundo: pessoas que ficam ansiosas com qualquer coisa, querem ter resultados imediatos para tudo, focam no curto prazo negligenciando o longo prazo.
Nosso histórico também não ajuda: temos uma inflação enorme (579,51% acumulados desde o início do Plano Real até julho de 2021), já passamos por várias moedas – que inclusive vão perdendo seu valor ao longo dos anos – e algo muito importante, que marcou bastante, deixando as pessoas inseguras até hoje, que foi o confisco no Plano Collor, em 1990, deixando o dinheiro das Poupanças retido no Banco Central por 18 meses. Tudo isso contribui para que o brasileiro tenha medo de investir.
Sabendo de tudo isso, então, podemos nos livrar desses vieses cognitivos? A resposta, infelizmente, é não. Mesmo querendo, é impossível nos livrarmos totalmente deles, pois fazem parte do repertório da nossa vida, sempre vão existir, mesmo que de forma mais sutil. Mas a boa notícia é que há ferramentas para diminuir o impacto deles sobre nós. O mais importante, e o primeiro passo, é tomar ciência da sua existência (e cada pessoa tem vieses específicos que são mais dominantes), entender quais são e como nos afetam e, assim, elaborar um processo para tentar minimizar esse impacto.
Agora que você já sabe um pouco mais sobre a origem dos vieses, já pode começar a se perceber melhor em cada desafio cotidiano que te impede de se manter na linha do planejamento que você traçou para construção do seu patrimônio.
No próximo artigo, vamos entender melhor quais são e como funcionam alguns dos principais vieses cognitivos, inclusive com exemplos práticos. Como eu disse, tomar ciência da sua existência é o primeiro passo para criar uma autodefesa que ajude a lidar com eles.
Então, até lá!
Estela Borgheri, CFP® é formada em administração de empresas e planejadora financeira pessoal certificada pela Planejar.