Por Ana B\u00e1rbara Zillo<\/strong><\/a><\/p>

H\u00e1 controv\u00e9rsia sobre a extens\u00e3o do patrim\u00f4nio que pode ser objeto de testamento, n\u00e3o sendo raro ver indaga\u00e7\u00f5es de que ele n\u00e3o pode tratar da leg\u00edtima, mas apenas da dispon\u00edvel. Ser\u00e1?<\/p>

Por entender que o autor da heran\u00e7a tem o direito de organizar e estruturar a sua sucess\u00e3o, em recente decis\u00e3o, a 3\u00aa Turma do Superior Tribunal de Justi\u00e7a (STJ) decidiu que a parte indispon\u00edvel do patrim\u00f4nio do testador pode ser tratada em testamento, desde que isso n\u00e3o implique priva\u00e7\u00e3o ou redu\u00e7\u00e3o da parcela a eles destinada por lei.<\/p>

A discuss\u00e3o girou em torno da interpreta\u00e7\u00e3o do Art. 1.857, \u00a7 1\u00ba, do C\u00f3digo Civil, que aparentemente sugere que a leg\u00edtima dos herdeiros necess\u00e1rios n\u00e3o pode ser objeto de disposi\u00e7\u00e3o testament\u00e1ria. No entanto, o STJ entendeu que essa interpreta\u00e7\u00e3o deve ser analisada em conjunto com outras normas que regem o tema para se chegar a uma conclus\u00e3o mais adequada.<\/p>

O caso em quest\u00e3o teve origem quando o testador (autor da heran\u00e7a) lavrou testamento em que disp\u00f4s sobre a totalidade de seu patrim\u00f4nio, dividindo-o entre seus filhos \u2013 herdeiros necess\u00e1rios \u2013 e sobrinhos \u2013 herdeiros testament\u00e1rios. Na divis\u00e3o, os filhos ficaram com 75% dos bens e os sobrinhos, com o percentual restante.<\/p>

Adicionalmente, durante o processo de invent\u00e1rio, duas filhas questionaram a inclus\u00e3o da leg\u00edtima dos herdeiros necess\u00e1rios na base de c\u00e1lculo dessa divis\u00e3o. Para elas, o testamento deve compreender apenas a metade dispon\u00edvel do acervo patrimonial, requerendo, assim, que o testamento fosse considerado como se s\u00f3 tratasse da divis\u00e3o da parte dispon\u00edvel, excluindo-se os 50% do patrim\u00f4nio que a lei reserva aos herdeiros necess\u00e1rios.<\/p>

O Tribunal de Justi\u00e7a de S\u00e3o Paulo (TJSP) acolheu o pedido das filhas, resultando na interposi\u00e7\u00e3o de recurso especial por parte dos sobrinhos, com a alega\u00e7\u00e3o de ofensa \u00e0 soberania da vontade do testador, uma vez que a leg\u00edtima dos herdeiros necess\u00e1rios teria sido integralmente respeitada.<\/p>

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, destacou que deve ser realizada uma an\u00e1lise sist\u00eamica das leis que tratam sobre sucess\u00e3o no caso em quest\u00e3o. De um lado \u2013 explicou \u2013, h\u00e1 a indispens\u00e1vel prote\u00e7\u00e3o aos herdeiros necess\u00e1rios por meio da leg\u00edtima e, de outro, a necess\u00e1ria liberdade de dispor conferida ao autor da heran\u00e7a, cuja vontade deve ser respeitada nos limites legais.<\/p>

A ministra ainda afirmou que n\u00e3o h\u00e1 impedimento para que o testamento fa\u00e7a refer\u00eancia \u00e0 parte indispon\u00edvel (leg\u00edtima) destinada aos herdeiros necess\u00e1rios, desde que isso n\u00e3o resulte em redu\u00e7\u00e3o da parcela que a lei os destina. Em outras palavras, \u00e9 poss\u00edvel mencionar a leg\u00edtima no testamento, especialmente quando o autor da heran\u00e7a deseja organizar e estruturar a sucess\u00e3o em vida, desde que seja claramente indicado que a metade indispon\u00edvel, ou mais, ser\u00e1 destinada aos herdeiros necess\u00e1rios.<\/p>

Vale transcrever trecho do acord\u00e3o:<\/p>

“A leg\u00edtima dos herdeiros necess\u00e1rios poder\u00e1 ser referida no testamento, especialmente nas hip\u00f3teses em que o autor da heran\u00e7a pretenda, em vida e desde logo, organizar, gravar e estruturar a sucess\u00e3o, mas desde que seja mencionada justamente para destinar a metade indispon\u00edvel, ou mais, aos referidos herdeiros”<\/em> (O n\u00famero deste processo n\u00e3o \u00e9 divulgado em raz\u00e3o de segredo judicial). Por fim, a decis\u00e3o enfatiza a import\u00e2ncia de redigir um testamento de forma clara e precisa, para assegurar que os desejos do testador sejam atendidos. Essa importante determina\u00e7\u00e3o demonstra a relev\u00e2ncia do testamento como uma ferramenta essencial para o planejamento sucess\u00f3rio, que vai muito al\u00e9m de simplesmente destinar os bens dispon\u00edveis.<\/p>

Ana B\u00e1rbara Zillo<\/a> <\/strong>\u00e9 advogada do departamento de wealth planning <\/em>do BLS Advogados<\/a><\/strong>, em S\u00e3o Paulo.<\/p>

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